Nossa jornada pelos Bálcãs começou na então República Socialista Federativa da Iugoslávia, um mosaico de contradições, espelho de uma região historicamente marcada por conflitos. Em seus dois mil e trezentos anos de existência, o território havia sido devastado quarenta e sete vezes. No século XIX, os socialistas alemães cunharam o termo “balcanização” para criticar as manobras do czar russo, que apoiava a criação de pequenos estados independentes, fragmentados e hostis entre si. Desde então, “balcanização” tornou-se sinônimo de um modelo de divisão imposto por potências estrangeiras, com o intuito de controlar a região. O velho aforismo “dividir para conquistar” encontra aqui seu perfeito significado.
Nos anos 1970, o Ocidente mantinha relações ambíguas com a região. Enquanto a comunidade internacional fortalecia laços econômicos e políticos, encantada pelo “comunismo com rosto humano” de Tito, na Iugoslávia, ou aproveitando a “neutralidade” de Ceausescu, na Romênia, ignorava os sinais de conflitos étnicos, religiosos e territoriais que emergiam. Em 1973, os Bálcãs estavam à beira de mais uma catástrofe.
Atravessamos a província da Sérvia, na Iugoslávia, rumo à Bulgária, com o objetivo de chegar ao Vale das Rosas no auge da colheita. O local era famoso por produzir 85% do óleo de rosa utilizado na indústria mundial de perfumes. O ar era impregnado pelo perfume das flores, e o cenário era um espetáculo para os sentidos. As mulheres adornavam seus cabelos com rosas, e os restaurantes ofereciam licores, geléias e compotas da flor. O Vale celebrava sua tradição com alegria e abundância.
Seguimos então em direção aos monumentos históricos na fronteira com a Romênia, com destino final em Drobeta-Turnu Severin, cidade localizada às margens do Danúbio, próxima à imponente usina hidrelétrica dos “Portões de Ferro”. Ao chegar à entrada da cidade, nos deparamos com uma cena surreal: uma longa fila de veículos de tração animal parados na rodovia que liga a Europa à Ásia. Tudo estava em suspenso. Buzinas soavam incessantemente, e uma cacofonia de vozes irritadas ecoava a palavra tsigani — ciganos.
Uma caravana de ciganos havia montado acampamento na estrada, interrompendo o tráfego. As cores vibrantes de suas roupas e a magnitude do protesto nos atraíram, e começamos a fotografar. Porém, logo fomos cercados por policiais uniformizados e um comissário político. Tomaram nossos passaportes, confiscaram nossas câmeras e expuseram os filmes à luz. “Os ciganos não fazem parte da nossa cultura”, disseram, descrevendo-os como ladrões e vagabundos. A advertência foi clara: não deveríamos interagir com eles. Fomos escoltados de volta ao carro, sem nossas fotos e com a certeza de que o conflito não seria resolvido amigavelmente.
Conversando com um dos líderes da caravana, soubemos que a prefeitura local havia negado à caravana permissão para acampar nos arredores da cidade. Era uma história que se repetia, século após século.
O nome cigano, uma derivação de Gypsy, surgiu do equívoco de etnógrafos que acreditavam que o povo Romani havia se originado no Egito, quando, na verdade, suas raízes estavam no nordeste da Índia. Sua migração em direção à Europa começou no século V e se intensificou no século XVI, após as invasões muçulmanas na Índia. Em toda a Europa, leis discriminatórias foram criadas para marginalizar o povo Romani. Na Romênia, a escravidão dos ciganos só foi abolida em 1855, e durante o regime nazista, cerca de meio milhão de ciganos foram exterminados nos campos de concentração. Após a Segunda Guerra, os regimes comunistas da Europa Oriental impuseram programas de assimilação forçada.
Somente em 1979, a ONU reconheceu oficialmente os Romani como um grupo étnico distinto, com seu próprio idioma, o romanês, garantindo-lhes proteção internacional. A Igreja Católica, em 2007, publicou seu primeiro texto oficial dedicado ao povo Romani, ainda usando o termo ciganos, mas reconhecendo sua singularidade cultural e histórica.
Nossa jornada pelos Bálcãs revelou não apenas belezas naturais e tradições fascinantes, mas também as profundas feridas sociais e históricas que, até hoje, aguardam reparação.
Palmari H. de Lucena – Romênia 1973