Em uma manhã fria de janeiro, Adolf Hitler foi nomeado chanceler da República de Weimar. Era o prelúdio de uma tragédia política que transcenderia a história da Alemanha, tornando-se um símbolo perene de como a fragilidade das instituições democráticas pode ser explorada por aqueles que almejam o poder absoluto. A ironia é que Hitler destruiu a democracia através de meios constitucionais, manipulando as leis que deveria proteger.
A República de Weimar já cambaleava sob o peso de sua própria fragilidade. Com uma Constituição extensa e uma estrutura política fragmentada em 18 estados federados, seu sistema era suscetível a manobras que paralisavam o legislativo. Hitler, que passara anos liderando a oposição e sabotando governos, conhecia bem essas brechas. Em 1930, ele prometera moldar o governo “como bem entendesse” assim que alcançasse o poder, promessa que cumpriu com frieza.
Ao assumir o cargo de chanceler, Hitler percebeu que precisaria de mais do que apoio popular para consolidar sua posição. Com apenas 37% das cadeiras no Reichstag, o Partido Nazista não tinha maioria absoluta, mas Hitler distorceu a aritmética política para justificar seu controle. Contudo, ele sabia que, para efetivar sua ditadura, precisava de um instrumento legal que lhe conferisse plenos poderes – uma lei de autorização (Ermächtigungsgesetz) que permitiria governar sem o parlamento.
Nas primeiras reuniões do gabinete, Hitler propôs banir o Partido Comunista, mas temendo uma greve geral que paralisasse a economia, optou por um caminho mais sutil: convocar novas eleições. Ao mesmo tempo, iniciou a purga de oponentes e manipulou estruturas do Estado. Nomeou Hermann Göring como ministro interino do interior da Prússia, encarregando-o de reorganizar a polícia para serviço do Partido Nazista. Göring armou os camisas-pardas e lhes concedeu autoridade policial, criando um clima de violência institucionalizada.
Em fevereiro de 1933, o incêndio no Reichstag acelerou os planos de Hitler. O parlamento foi consumido por chamas, e Hitler declarou que o fogo fazia parte de um golpe comunista. Ele convenceu o presidente Hindenburg a assinar um decreto de emergência que suspendia direitos civis e autorizava buscas sem mandado. Com os comunistas banidos, Hitler garantiu maioria significativa nas eleições de março.
Poucos dias após as eleições, Hitler apresentou ao Reichstag a lei de autorização, intitulada “Lei para Remediar a Necessidade do Povo e do Reich”. Durante a votação, Otto Wels, líder dos Social-Democratas, fez um último discurso em defesa da democracia, afirmando que nenhuma lei poderia destruir ideias de liberdade e justiça. No entanto, suas palavras foram insuficientes para deter o regime. Com 441 votos a favor e apenas 94 contra a lei foi aprovada, sepultando a democracia alemã.
Hitler desmantelou a república sem violar uma única letra da Constituição. O grande paradoxo da democracia é que ela pode fornecer os meios para sua própria destruição – um paradoxo que Hitler explorou com maestria sombria. Joseph Goebbels, ministro da propaganda, resumiu esse feito: “A grande piada sobre a democracia é que ela oferece a seus inimigos os meios para sua própria destruição.”
Essa história sombria nos ensina que a democracia precisa ser mais do que leis e instituições – ela deve ser defendida por uma cultura política que valorize a liberdade, a justiça e o respeito às diferenças. Quando essas virtudes são corroídas pela intolerância e pelo medo, bastam homens ambiciosos e discursos sedutores para que ela caia.
Hoje, diante das ameaças à democracia ao redor do mundo, a destruição da República de Weimar serve como um lembrete urgente: o perigo não está apenas na ascensão de líderes autoritários, mas também na indiferença de sociedades acomodadas ou divididas, que permitem a erosão dos alicerces democráticos.
Que a chama que consumiu o Reichstag jamais se repita em qualquer outro canto do mundo.
Palmarí H. de Lucena