Chore por mim, Argentina

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Chore por mim, Argentina

Quem sonha com os encantos de Buenos Aires, os vinhos de Mendoza ou os ventos cortantes da Patagônia, precisará, em breve, incluir um novo item no checklist: seguro saúde obrigatório. A Argentina de Javier Milei avisa, sem rodeios — turista é bem-vindo, desde que custeie sua própria segurança sanitária. Sem seguro, sem entrada. E, caso precise de atendimento, esqueça o sistema público: privilégio exclusivo dos residentes.

A medida, ainda não oficializada, carrega mais do que burocracia. É um gesto político. Um recado claro de que o ultraliberalismo de Milei extrapola a economia e alcança as fronteiras, as relações e, sobretudo, os vínculos históricos da região. Na retórica, defende mercados livres. Na prática, ergue barreiras sanitárias e diplomáticas.

É verdade que a exigência de seguro não é novidade no mundo. A União Europeia adota esse critério. Mas a comparação esbarra na realidade. Lá, existe estabilidade, previsibilidade e um pacto de confiança mútua. Aqui, a imposição chega de forma abrupta, sem diálogo, sem aviso e sem qualquer construção diplomática.

E se há desconforto, ele não é sem motivo. Afinal, milhares de jovens argentinos trabalham informalmente no Brasil, sobretudo em destinos turísticos como Pipa, Morro de São Paulo, Florianópolis e Balneário Camboriú. Estão em bares, pousadas, festas e serviços diversos. Sem visto, sem autorização de trabalho, sem contribuição fiscal — ocupando, inclusive, vagas que poderiam ser preenchidas por brasileiros.

Ainda assim, o Brasil nunca transformou isso em crise diplomática. Nem deportações, nem exigências, nem barreiras. Seguimos, historicamente, acolhendo, integrando e praticando uma hospitalidade que é traço da nossa identidade sul-americana.

Mas até a hospitalidade tem limites. A decisão unilateral da Argentina rompe um pacto silencioso de equilíbrio e impõe ao Brasil — e aos países vizinhos — uma reflexão urgente sobre reciprocidade.

O presidente Lula já sinalizou em outras ocasiões que relações internacionais se constroem na base do respeito mútuo. Foi assim quando respondeu às exigências de visto impostas pelos Estados Unidos: “Se eles exigem de nós, devemos exigir deles.”

Se proteger seus cofres é direito da Argentina, também é dever do Brasil questionar até que ponto vale sustentar, sozinho, a generosidade. Fronteiras abertas só fazem sentido quando a mão estendida é de ambos os lados.

Mais do que um debate sobre seguros, o que se discute aqui é o conceito de vizinhança, de integração e de respeito. O turismo deveria ser ponte, não barreira. A amizade não pode ser convertida em taxa, nem a solidariedade em imposição unilateral.

Chore por mim, Argentina. Porque quando a generosidade não encontra eco, ela deixa de ser virtude e se aproxima perigosamente da ingenuidade. E, se for assim, talvez seja chegada a hora de enxugar as lágrimas e redesenhar os termos da convivência.

Por Palmarí H. de Lucena