A novela “O Alfaiate do Panamá”, de John Le Carré, mostra um cenário realista do país, na época da ditadura do General Manoel Noriega. O espião britânico Andy Osnard é transferido para o Panamá, após ser removido de Madrid, devido a inúmeros faux pás envolvendo mulheres casadas e dívidas de jogo. Colher informações sobre o futuro do Canal do Panamá, sua missão. Faz amizade com Herry Pendel, um alfaiate inglês com reputação e associados questionáveis. Contato importante. Costurava as roupas dos generais. “Bem vindo ao Panamá, Casablanca sem heróis”, Pendel costumava dizer.
Pendel não reclamava a falta de justiça. Declarou ao capturarem Noriega: “prenderam Ali Babá e deixaram os quarenta ladrões em liberdade”. Ainda havia oportunidades de novos negócios no Panamá. Sempre se encontrava uma alma irmã, quando se tratava de algo lucrativo. Seu ceticismo e sua bela esposa eram um bálsamo para a alma volúvel de Osnard…
O Arcebispo Metropolitano Marcos Mc Grath era um dos poucos heróis. Homem religioso, ético. Um pastor. Seguia fielmente os princípios da Juventude Operária Católica do Padre Cardjin. Via, analisava, atuava. Demandava publicamente a renúncia imediata de Noriega e seus acólitos. Exigia o cumprimento dos Tratados Torrijos-Carter, que garantiam a neutralidade e o controle do Canal do Panamá, a partir de 1999.
O Congresso e um tribunal norte-americano acusaram Noriega de participar no tráfico internacional de drogas, enquanto servia de agente da CIA. Contrabandeava armas para movimentos anticomunistas centro-americanos. Declarou-se líder máximo após anular as eleições de 1989. Oficiais militares tentaram derrubá-lo. Não sucederam. Retaliação rápida e brutal, soldados vestidos em traje civil intimidavam oponentes do regime, suprimiam manifestações populares. Presidente Reagan declarou um embargo econômico, bloqueou todas as contas e transferências em dólar. Intensificou a crise, paralisando o país. O Panamá usava o dólar como moeda nacional. Comprava cédulas usadas do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos, por não ter um banco central. Quebrado e sem cédulas, não era possível realizar transações pessoais ou comerciais. Fome imperava nas comunidades pobres.
O Arcebispo Mc Grath fez um apelo urgente, pedindo ajuda humanitária ás Caritas estrangeiras. Viajamos em seguida para o Panamá, a serviço de ajuda humanitária da igreja católica dos Estados Unidos. Faltava dinheiro, porém não faltavam alimentos nos armazéns. Estávamos preparados para financiá-los.
Ao chegar, nos deparamos com cenas de desordem, devastação e perigo. Inúmeros bloqueios na estrada do aeroporto. Pneus em chamas. Populares atirando pedras, garrafas e outros objetos mais letais contra os veículos. Pequenas lojas saqueadas. Chegamos à residência do arcebispo, horas depois. Precisavam urgentemente de alimentos. Fornecedores não abriram suas portas ou queriam ser pagos em cheques. Temiam as turbas e o embargo bancário, ao mesmo tempo…
Vários dias em busca de fornecedor… Sem êxito. Finalmente, alguém preparado para “fazer negócio”. Parecia preocupado com a situação. Negociamos os preços de arroz e feijão já aumentados exponencialmente, após horas, chegamos a um acordo. Radiante, o comerciante esfregava as mãos… Dizia sentir-se filantrópico. Pagamento imediato, oitenta e quatro mil dólares em espécie. Protestamos energicamente. Impossível obter tantos dólares. Perguntou casualmente se tínhamos cartões de crédito estado-unidenses. Confirmamos. Olhos faiscando de alegria: “Pode pagar com American Express, se for platino”. Rápida chamada para nosso escritório, compra aprovada. Seríamos reembolsados. Transação concluída. Alimentos entregues, partimos. A situação nas ruas havia deteriorado…
Eventualmente, o Exército dos Estados Unidos invadiu o Panamá, capturando Noriega. Soubemos da noticia enquanto estávamos de férias em Paris… milhagem resultante das nossas “compras” com o cartão de crédito. Henry Pendel supostamente diria, que o Panamá é cheio de oportunidades…
Panamá 1988