Perigoso, selvagem, misterioso. Pacífico, o oceano nos mesmerizava. Árvore perdida na imensidão da paisagem, um cipreste solitário desafiando a fúria dos elementos. Símbolo da eternidade e da imortalidade dos deuses do Olimpo. Quatro décadas, nosso último encontro. Partimos em busca de novos sonhos, bem longe das quimeras que contemplávamos. Vento, sol e o mar acariciando os torsos brilhantes dos leões marinhos acasalados nas fissuras discretas das rochas. Reprodução e mudança da pelagem, acompanhados do langor de uma serenata de grunhidos confortantes. Turbulências e transformações reafirmando a vida.
Gaivotas guinchando freneticamente, às vezes em animação suspensa, festejando os raios de um sol cheirando a maresia. Tarde distante, lembranças quase perdidas na topografia de uma memória erodida pela passagem dos anos. Caleidoscópio de imagens diferentes e iguais, côncavas e convexas. Pequeno pássaro maçarico procurando comida na areia; homem idoso, rosto mostrando as marcas impiedosas da idade e do sol; linhas retas no céu azul, traçadas por aviões treinando para uma guerra distante. Nós e o mar.
Escondido entre o horizonte e a rocha dos leões marinhos, o cipreste centenário. Partimos apressados ao seu encontro. Solitária e intrépida, a árvore que nos guiou na direção do futuro. Queríamos abraçar seu tronco, farejar a fragrância do seu perfume e sentir a brisa fresca do oceano. Cerca de pedras ao seu redor, proteção contra os homens que não entendem a beleza pura da sua solidão. Obrigado cipreste, voltamos como havíamos prometido.
Meandro de asfalto atravessando o verde monótono da floresta, o nevoeiro gris, única distração. Procurávamos o lugar da nossa última refeição antes de partirmos. Mirante com a visão espetacular do oceano. Hambúrguer com molho de ambrosia e uma taça de Cabernet Sauvignon do Vale Central da Califórnia. Sentíamos o mesmo gosto, quatro décadas depois. Napenthe, placa na beira da estrada anunciando nosso destino. Explicamos a razão da nossa visita ao garçom. Sempre esperamos o retorno dos nossos amigos, nos informou quase misticamente. Lugar para esquecer as mágoas, como na mitologia grega, deixamos as nossas no oceano sem memória, sob a mira do cipreste solitário.
Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores