Brasil em Travessia

Brasil em Travessia

Entre a vontade de mudar e o medo de perder o que se tem, o país segue dividido — mas ainda em busca de um caminho comum.

O Brasil vive uma encruzilhada em que não se escolhem apenas governos, mas formas distintas de imaginar o futuro. O debate político, mais que uma disputa por poder, reflete um país que se pergunta sobre o que quer ser. E nessa travessia, duas correntes principais se impõem: uma que deseja avançar rumo ao novo, e outra que busca preservar o que considera essencial.

Há quem veja a política como instrumento para corrigir desigualdades históricas, ampliar direitos e tornar a sociedade mais aberta às diferenças. Para essas pessoas, é preciso insistir na inclusão, na proteção ao meio ambiente, no combate a preconceitos e na valorização de quem sempre ficou à margem. Não se trata apenas de mudar regras, mas de transformar mentalidades e práticas cotidianas.

Em contrapartida, há quem desconfie da velocidade das mudanças. Para muitos, romper com tradições pode significar perder vínculos que dão sentido à vida. Nesse ponto de vista, valores familiares, crenças religiosas e disciplina social não são obstáculos ao progresso, mas bases para que ele ocorra com equilíbrio. Existe o receio de que o impulso por reformas descole o país de suas raízes.

Ambas as visões convivem — ou deveriam conviver — dentro da democracia. Mas o que se vê com frequência é o conflito transformado em trincheira, onde escutar o outro parece fraqueza, e dialogar vira suspeita. O espaço do meio, onde antes se buscava alguma forma de consenso, parece cada vez mais estreito.

Enquanto isso, a vida segue: o custo das coisas sobe, o transporte atrasa, a escola nem sempre ensina o que deveria. A política precisa, antes de qualquer ideologia, enfrentar o concreto: o cotidiano de quem trabalha, estuda e cuida da família com poucos recursos e muitos desafios. Mas isso exige menos barulho e mais disposição para pensar soluções — e não apenas culpados.

É possível desejar justiça social sem desprezar tradições. É legítimo defender valores conservadores sem negar os avanços civilizatórios. A democracia, para ser plena, precisa conter essas tensões — não eliminá-las, mas organizá-las de forma construtiva.

O Brasil segue em busca de um rumo. E talvez o verdadeiro gesto de maturidade política esteja em aceitar que não se governa um país de um único lado da rua. É preciso cruzá-la, escutar quem está do outro lado e, se possível, estender a mão.

Palmarí H. de Lucena