Blues da Zona Azul

Brisa tímida acariciando as palmeiras, pessoas indolentes sentadas em bancos precariamente conservados, retalhos de noites mal dormidas espalhadas pelo chão. Aparente oásis no meio do trânsito tumultuado do centro da cidade. Grupo de ambulantes, acólitos e suplicantes de políticos dificultavam a circunavegação do logradouro. Bingo! Encontramos uma vaga para estacionar marcada com uma palavra: Idoso. Tomamos o território livre com uma jovialidade incomum aos seus possíveis ocupantes.

Oferecendo serviços de lavagem e guarda-carro, um homem acenando com uma flanela aproximou-se. Empreendedor urbano com gestos de mendicância agressiva. Zona Azul, declinamos seus serviços. Partiu mal humorado, murmurando impropérios, algo vulgar que nos atribuía outra preferência sexual. Voz feminina nos admoestou que não estávamos credenciados para estacionar na vaga. Apresentamos nossa carteira de identidade em vão. Prontamente nos informou que necessitávamos de um passe do STTRANS. Caminhamos em direção ao nosso destino e voltamos em meia hora.

Ao partirmos, dois policiais em motocicletas nos seguiram. Fomos informados, mais uma vez, que não estávamos credenciados à vaga de idoso. Encaminharam-nos ao STTRANS na Casa da Cidadania, para obter a documentação correta. Duas atendentes notaram nossa presença após vários pigarros, sugeriram que fossemos ao bureau do Instituto de Policia Técnica (IPT), visto que o STTRANS não existia no local.

O funcionário do IPT mal moveu os olhos da tela do computador, enquanto relacionava uma série de documentos necessários para uma identidade de idoso. Quando pensávamos que havíamos encontrado uma solução para o problema, descobrimos que a referida carteira nos credenciava para lugares de entretenimento e passagem gratuita em transporte urbano. Tudo, menos estacionamento na Zona Azul. Novamente, fomos orientados para nos dirigir-nos ao STTRANS, desta vez na BR230, próximo ao Estádio do Almeidão. Decidimos abandonar nossa busca pelos privilégios da maior idade.

Frustrado, resolvemos ir ao cinema. Após uma breve inspeção visual pela atendente, meia entrada para o filme Xingu. Conseguimos sem esforço algum, desfrutar os privilégios da maior idade em uma empresa privada enquanto continuamos sem o privilégio de estacionar na vaga de idoso da Zona Azul.