Manifestações contra a violência policial e o racismo eclodiram em mais de cem cidades norte-americanas, eventos provocados pela morte de um jovem negro no Estado de Missouri em Novembro de 2014. Havíamos voltado aos tempos dos protestos massivos em defesa dos direitos civis da população excluída. Seguiria uma explosão midiática com cobertura extensiva, muitas vezes tendenciosa, sobre as relações raciais nos Estados Unidos. Narrativas diferentes sobre o mesmo tema emolduradas por viés cultural, a intensidade da bipolaridade racial ou a elasticidade democrática de diferentes países. A mídia brasileira não é uma exceção.
Nossa sociedade, e a mídia em particular, persiste no mito de que protestos ou demandas e queixas de minorias étnicas contra o estabelecimento policial nos Estados Unidos são equacionados em conflitos entre brancos e negros. Argumentamos que tais enfrentamentos não seriam possível no Brasil, porque nossa sociedade não é organizada de uma maneira estritamente racial. A sabedoria convencional brasileira exclui raça como um catalizador de conflitos, violência ou algum tipo de distúrbio da ordem pública ou da vida política. A predominância branca ou relativamente clara da nossa elite, contrastando visivelmente com o fato de que a maioria do pobres e possíveis vítimas de arbitrariedade policial e exclusão social são negros ou de aparência mais escura.
Nos últimos cinco anos, as forças policiais brasileiras mataram 9.691 pessoas, um número marcadamente superior ao dos Estados Unidos, onde 7.584 pessoas foram mortas por seus homônimos em duas décadas. Considerando que as pessoas identificadas como negras representam 51% e 12% do povo do Brasil e dos Estados Unidos, respectivamente, é lógico concluir que a vitimização, injustiça e baixa representatividade da população negra brasileira são mais profundas , duradouros e um impedimento ao desenvolvimento do país. Quando pregamos a imagem de ser um país de cegos de cores e que descriminamos exclusivamente baseados em classe ou vestimentas de superioridade social, estamos evadindo a promessa democrática de criarmos uma sociedade justa, inclusiva e com igual oportunidades para todos. Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores