Baía da Traição, situada no litoral norte da Paraíba, guarda muito mais do que praias de beleza incontestável. Sob seu nome ecoam séculos de uma história marcada por resistência e dor, sobretudo dos Potiguaras, o maior grupo indígena Tupi-Guarani do Nordeste. Enquanto as águas cristalinas parecem convidar os visitantes à serenidade, o cotidiano das aldeias que ainda resistem é um constante lembrete das profundas desigualdades e da falta de oportunidades que limitam o potencial de seus habitantes.
Porém, além dessas desigualdades, uma ameaça constante paira sobre a região: o avanço desenfreado do mar. As construções desordenadas à beira-mar, sem a devida consideração aos impactos ambientais, têm agravado a erosão costeira. Cada ano, as águas destroem lentamente imóveis e praias, evidenciando a falta de planejamento e as consequências desse descuido. Falésias que antes embelezavam o cenário estão sendo corroídas, e as evidências de erosão contínua sugerem um futuro incerto para a região, tanto em termos ambientais quanto econômicos.
Desde o século XVI, quando os primeiros colonizadores europeus, os franceses, ali estabeleceram feitorias para o comércio de pau-brasil, os Potiguaras desempenharam papel crucial em uma aliança que desafiou o avanço português. A história da Baía da Traição é um relato de luta. Em 1585, a resistência indígena foi esmagada sob o comando de Martim Leitão, mas a vitória lusitana não trouxe a paz desejada pelos colonizadores. Em 1625, os holandeses, tentando retomar o controle da região, novamente se uniram aos Potiguaras, mas o fim dessa aliança resultou no massacre de seus aliados indígenas.
Mesmo com o preço amargo da resistência, o espírito Potiguara sobrevive nas aldeias que até hoje preservam sua cultura. As redes tapuaramas, habilmente tecidas pelas mãos das mulheres Potiguaras, tornaram-se famosas e perpetuam uma tradição ancestral que é, ao mesmo tempo, símbolo de resiliência e de expressão econômica. No entanto, essa expressão artesanal contrasta com a carência de infraestrutura e oportunidades que afligem essas comunidades, vivendo sob a sombra da beleza exuberante que atrai turistas de todo o mundo.
Baía da Traição alcançou sua independência política em 1962, após diversas tentativas de emancipação. No entanto, sua verdadeira autonomia ainda parece distante. Embora o turismo seja promissor, trazendo visitantes que buscam as praias de águas límpidas e falésias de tirar o fôlego, o desenvolvimento econômico não reflete na melhoria da qualidade de vida das aldeias indígenas. O potencial turístico da cidade, ancorado na riqueza cultural dos Potiguaras, poderia ser a chave para reverter essa realidade. Entretanto, falta um esforço concertado para garantir que as iniciativas turísticas beneficiem, de fato, os povos originários.
Enquanto as praias continuam sendo cartões-postais, a verdadeira beleza de Baía da Traição reside na cultura Potiguara, representada por rituais como o Toré, que preserva a espiritualidade e a identidade de um povo cuja luta atravessa gerações. A força das tradições locais, perpetuada pelos que vivem em condições precárias, lembra que a resistência é um legado e uma ferramenta para transformar o futuro.
Neste cenário de contradições, Baía da Traição precisa equilibrar seu papel como destino turístico e sua responsabilidade com as populações indígenas que, desde tempos imemoriais, ali habitam. Para que o desenvolvimento seja verdadeiramente sustentável, é imprescindível garantir que os povos originários sejam protagonistas dessa história. Afinal, é deles o direito de moldar o futuro de suas terras e preservar a essência de sua identidade. Mas sem o cuidado com o avanço do mar e a desordem urbanística, a própria estrutura física da cidade está em risco, e esse patrimônio natural pode desaparecer.
A cidade não é apenas um convite à contemplação das paisagens naturais, mas um chamado à reflexão sobre a relação entre passado, presente e futuro. Aqui, a resistência não é apenas história: é identidade, e o turismo pode ser a ponte entre essa riqueza cultural e um desenvolvimento que respeite e valorize aqueles que mantêm vivas as raízes da Baía da Traição.
Palmarí H. de Lucena, Paraíba do Alto: Histórias e Imagens Aéreas