Mutações de Rita Lee invadindo o espaço urbano com a contundência insistente do vento frio da noite. Ostentando longas cabeleiras vermelhas, duas mulheres caminhando em perfeita sincronia com as passadas insistentes, quase masculinas, de uma mulher rubenesca. Timoneira de uma arca carregada de pares e ímpares da espécie humana à procura da poção mágica do pecado genérico, mistura de contravenções e diversões. Desapareceram rapidamente no cânion de concreto, como se hipnotizados pelo mistério escondido nas sombras, transformando-se em escuridão. Pessoas retornando às suas libações, conversa de mesa de bar e os selfies obrigatórios. Cantarolando músicas antigas com letras interessantes, algumas parecendo possuídas pela sensualidade do repertório musical. Desafinados cantando baixinho para os amores do momento. Alguma coisa acontecendo na esquina da Ipiranga com a Avenida São João.
Manifestantes empunhando bandeiras vermelhas, chavões de protestos reivindicatórios, marchando ao som de tambores indígenas. Passos deliberados, olhos fixos na calçada, calculando mentalmente a distancia à percorrer, pessoas olhando de soslaio sem gestos de empatia. Protestos considerados ácaros incômodos, povoando pequenas área do lençol de concreto cobrindo a imponência da avenida. Tropas de choque posicionadas discretamente na parte posterior de um edifício vermelho, camuflados por fileiras de pôsteres de uma exposição ao ar livre. Museu de arte, lugar estratégico para a supressão de qualquer possibilidade de desacato ou perturbação da ordem pública. Mulher jovem tocando um piano elétrico na calçada, repertório eclético e agradável oferecendo uma distração momentânea, uma oportunidade de fazer algo diferente. Acordes de Para Elisa de Beethoven, invadiram nossa mente…
Mansão abandonada, presença humana de um cadeirante solitário, guardião do templo da oligarquia de alhures. Traços irados de pichações e desgaste material acrescentando uma sensação de perigo, um lugar fantasmagórico sem música, sons ou almas penadas. Terminal de telefone público, formato de capacete transformado em uma escultura com antebraços e mãos de tamanhos diversos e cores fulgurantes, Medusa urbana. Arte vencendo o vandalismo aleatório. Anoitecer escondido nos mistérios da garoa, protegido por um vento frio e cortante. Dormiríamos todos ao som de uma sinfonia de sirenes e gritos de miséria humana, confortáveis em quartos com calefação ou deitados lado-a-lado como dormentes nas calçadas frias da grande metrópole.
Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores