Vivemos em uma época marcada pela ansiedade e pela descrença em nossa capacidade de encontrar soluções duradouras para os desafios que ameaçam a democracia brasileira. O cenário político-partidário se transformou em um campo de batalha, onde armas poderosas como a agressão e a autocensura são utilizadas para aprofundar as divisões em nossa sociedade.
Os debates se tornaram conflitos de opiniões, onde a dicotomia entre vencedores e perdedores parece ser a única opção considerada. No entanto, essa abordagem nos impede de encontrar soluções onde todas as partes são reconhecidas e responsáveis por suas ações, prejudicando assim o bem-estar da nação como um todo.
É evidente que estamos imersos em uma sociedade marcada por deslizes éticos que afetam nosso cotidiano. Muitas vezes testemunhamos ou participamos de situações que censuramos, seja por razões pessoais, institucionais ou para proteger nossas convicções mais profundas. No entanto, ao nos calarmos e nos autocensurarmos, estamos apenas alimentando uma forma ainda mais insidiosa de opressão.
Operamos sob a ilusão de que a liberdade de expressão termina onde começa a ofensa alheia. No entanto, ao fazermos isso, estamos seguindo o caminho da intolerância invisível e cruel, alimentada pela autocensura. Tolerância verdadeira significa aceitar o que consideramos errado, incômodo ou até mesmo ofensivo ao nosso modo de vida. A autocensura, por sua vez, mina essa capacidade de aceitação e torna ainda mais difícil o convívio pacífico em uma sociedade multicultural.
As garras ferinas da censura, muitas vezes escondidas nas esquinas da subserviência conveniente de editores ou gestores, se expõem sorrateiramente para impedir qualquer crítica que aparente ser sobre a roupa nova do rei de plantão. Certa vez, tentaram modificar uma crônica de nossa autoria porque afirmava que o governo havia perdido o controle da segurança das ruas da cidade. Segundo o censor, o texto podia dar uma impressão negativa do presidente então em exercício. Recusamo-nos, e a matéria não foi publicada.
Como observou George Orwell, muitas vezes nos encontramos defendendo opiniões que não compartilhamos verdadeiramente, apenas para agradar aos outros. Essa dualidade é a essência da intolerância, e cabe a nós reconhecê-la e combatê-la ativamente.
É hora de rompermos com a autocensura e nos comprometermos com uma cultura de diálogo aberto e respeitoso. Somente assim poderemos construir uma sociedade verdadeiramente democrática, onde a diversidade de opiniões seja valorizada e respeitada.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores