Bip, bip, bip…
Ouvido colado no pequeno radio transistor, olhos cravados no céu matinal em busca de uma pequena esfera luminosa transpassando a imensidão. O satélite artificial Sputnik viajava livremente pelo espaço sideral. Os homens e suas máquinas voadoras, a humanidade galgando novas alturas. Reverência e incerteza permeavam um mundo atônito com a nova e perigosa competição entre potências mundiais. Campo de batalha da Guerra Fria, desnivelado perigosamente pela superioridade tecnológica dos soviéticos. Cientistas alemães, os vilões da Segunda Guerra Mundial, reciclados como criadores das máquinas que levariam cosmonautas e astronautas às novas alturas. Flash Gordon não era mais ficção.
A nova era espacial aguçava nossa imaginação de adolescente. Mentes condicionadas pelas fabulosas histórias de homens heroicos pilotando máquinas precárias, enfrentando os perigos de jornadas transoceânicas, no hiato entre as duas grandes guerras. Muitos não sucederam. Morreram vítimas dos mesmos fenômenos climatológicos que haviam sepultado os navegadores de outrora no fundo do mar.
Escolheram a rota Dakar – Natal por ser a mais viável para voos guiados por sextantes rudimentares e aeronaves de pouca autonomia. Evitariam assim as dificuldades de voar na direção oposta, principalmente sobre o “Mar da Escuridão”, na área do Cabo Bojador para o sul, abrangendo o cotovelo do continente africano. Lugar temido por suas lendas e passagens traiçoeiras. Ventos fortes empurravam violentamente as águas do oceano sobre recifes e bancos de areia. Uma cortina de vapor que escurecia tudo por muitos quilômetros, e a grande altitude. Muitos desapareceram na passagem, navegadores do mar e do ar. Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor, dizia o grande poeta Fernando Pessoa.
Contada por nossa mãe, uma das histórias favoritas era a passagem pela Paraíba de uma aeronave brasileira com o curioso nome de JAHU. A primeira a fazer a travessia do Oceano Atlântico, sem escalas, partindo da cidade de Praia, ilha de Santiago do Arquipélago de Cabo Verde, na África Lusófona. A memória e a criatividade da narração nos encantavam. Vivíamos o momento da menina de 11 anos, olhos sonhadores prospectando o céu além do Rio Sanhauá.
Manhã do dia 05 de junho de 1927. Os sinos da Igreja da Conceição ressoaram pela cidade baixa, anunciando a aproximação da aeronave. Ponto escuro no céu azul, desaparecendo momentaneamente entre as nuvens que se atreveram a macular a tela mágica do grande acontecimento. Populares entusiasmados, hasteando a bandeira nacional no topo do edifício dos Correios. Modinhas cantadas, poemas declamados, tudo em honra aos novos heróis, genuinamente verde e amarelo.
Voando pela céu da cidade, apenas dois minutos, o ponto desapareceu na direção do Recife. O JAHU “logo aguatizaria no Capibaribe”, anunciou uma rádio mensagem da Paraíba.
Uma multidão esperava na beira do Capibaribe. Vivemos nosso momento de glória.