Não é surpresa que as Olimpíadas de Verão sejam mais associadas à negritude do que as de Inverno. Desde 1904, quando George Coleman Poage se tornou o primeiro americano negro a ganhar uma medalha olímpica, esse evento se transformou em um espaço onde atletas negros desafiam barreiras e fazem história. Em 1936, Jesse Owens mostrou ao mundo seu talento ao conquistar quatro medalhas de ouro em Berlim, uma resposta direta à ideologia nazista que pregava a supremacia branca.
As conquistas de Alice Coachman em 1948, como a primeira mulher negra a ganhar uma medalha de ouro, e de Florence Griffith-Joyner, com seus recordes imbatíveis nas Olimpíadas de Seul em 1988, continuam a inspirar gerações. Esses feitos não são apenas sobre vitórias esportivas, mas também sobre resistência cultural e afirmação de identidade em um cenário global que muitas vezes tenta silenciar ou invisibilizar essas vozes.
Paris 2024 continua essa tradição, mas de maneira ainda mais marcante. As expressões culturais e identitárias dos atletas negros vão além das medalhas. Cabelos afro, tranças, cachos naturais, e cortes ousados não são apenas estilos; são declarações visuais que rejeitam as normas eurocêntricas de beleza e desafiam as políticas de respeitabilidade que tentam limitar a negritude a um padrão aceitável.
O desfile de uma equipe de judô inteiramente negra da França, o retorno triunfante de Simone Biles à ginástica, e a presença icônica de Serena Williams, flutuando pelo Sena, exemplificam como Paris 2024 se transformou em um evento onde a negritude não apenas participa, mas domina. Como destacou o New York Times, a linguagem é uma ferramenta poderosa de identidade e cultura, e atletas como Nakamura, que mistura gírias e dialetos africanos, reforçam essa verdade ao usar sua voz e presença para ampliar o que significa ser negro no esporte e na sociedade.
Durante a cerimônia de abertura, atletas lendários como Serena Williams e Carl Lewis, junto com outros ícones do esporte, carregaram a Tocha Olímpica em uma jornada que simbolizava a passagem de um mundo dominado por uma perspectiva branca para um onde a negritude se eleva. Esse simbolismo foi reforçado quando o centenário Charles Coste, o campeão olímpico francês mais velho, acendeu a tocha de dois medalhistas de ouro negros, Teddy Riner e Marie-José Pérec, evidenciando que o futuro do esporte está intrinsecamente ligado à ascensão da negritude.
No contexto brasileiro, o impacto das atletas negras nas Olimpíadas de Paris não pode ser subestimado. Beatriz Souza e Rebeca Andrade conquistaram os primeiros ouros para o Brasil, no judô e na ginástica, respectivamente, ambas mulheres negras que superaram desafios sociais significativos, beneficiadas por programas como o Bolsa Atleta. Essas conquistas são vitais não apenas para o esporte, mas para a sociedade brasileira como um todo, onde a negritude e o gênero ainda enfrentam desafios sistêmicos.
A pesquisadora Ellen Scherrer destaca que a trajetória dessas atletas não é isolada, mas parte de uma história mais ampla de resistência e superação em um país que ainda luta com a aceitação e o financiamento adequados para o esporte feminino, especialmente para as mulheres negras. Como enfatizou a escritora Olívia Pilar, a visibilidade de atletas como Daiane dos Santos, Rebeca Andrade, e Beatriz Souza não apenas quebra barreiras, mas redefine o que significa ser uma mulher negra no esporte e na sociedade.
Viola Davis, ao receber um prêmio no Emmy, disse que a única coisa que separa as mulheres negras das demais é a oportunidade. Paris 2024 confirma que, quando essas oportunidades são dadas, as mulheres negras não só competem, mas dominam, trazendo à tona um talento que sempre existiu, mas que agora, finalmente, começa a receber o reconhecimento e o investimento que merece.
Palmari H. de Lucena