Vivemos dias de grande ansiedade e descrença sobre nossa capacidade de encontrar soluções duradouras para os problemas que ameaçam a solvência da democracia brasileira. Armas poderosas do arsenal obsoleto do infantilismo político-partidário, agressão e a autocensura promovem um clima de acirramento de divisões profundas na sociedade. Debates se transformam em conflitos de opiniões e variações questionáveis sobre o mesmo tema. Dicotomia vencedor/perdedor aparentando ser a opção preferencial dos protagonistas, descartando qualquer possibilidade de encontrar soluções onde todas as partes são vencedoras e equitativamente responsáveis por condutas e atos lesivos ao patrimônio da nação.
Somos uma sociedade maculada por deslizes éticos afetando nosso cotidiano. Presenciamos ou participamos muitas vezes de algo que censuramos, seja por razões pessoais, institucionais ou para proteger as facetas mais íntimas das nossas convicções. Conversamos em generalidades ou codinomes sem nunca identificar ou expressar um pensamento que penetre a epiderme de um organismo fragilizado pela baixa imunidade às crises. Suprimimos palavras e opiniões interiorizando a censura, forma mais opressiva e difícil de combater do que a censura explicita que nos oprimiu por mais de duas décadas. Agora somos nossos próprios censores.
Operamos do ponto de vista que a liberdade de expressão acaba quando começa a ofensa alheia. Seja por razões de expediência política ou mesmo para autocensurar o que assumimos ser ofensivo ou incômodo para certas pessoas, grupos ou religiões. George Orwell nos chama repetidamente a atenção sobre a prática de defender o que as pessoas em geral e as boas consciências exigem, ao mesmo tempo defendendo o ponto de vista oposto para agradar seus interlocutores. Esta dualidade é a raiz da intolerância invisível, escorregadia e cruel enrustida na autocensura. Tolerância é tolerar o que consideramos errado, incômodo ou muitas vezes ofensivo ao nosso estilo de vida. Autocensura promove o tipo de intolerância mais difícil de identificar e de conciliar as diferenças que dificultam o convívio pacífico multicultural.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores