Areia: memórias de uma terra imutável

Photo by Palmarí H. de Lucena
Areia: memórias de uma terra imutável

“Amo profundamente minha querida Areia, assim como todos os parentes e conhecidos da minha infância, como se nunca tivesse me afastado de lá, e os contemplo vivamente. Revivo minhas memórias mais antigas e compartilho algumas fotografias que guardo de vários locais da minha cidade natal. Esta carta é de Pedro Américo, endereçada às suas tias Bahia e Dondon, datada de 25 de setembro de 1894, de Florença, na Itália. O amor pela sua terra natal evoca o sentimento de saudade e afeto que encontramos nos versos de Gonçalves Dias.

A obra “Independência ou Morte” de Pedro Américo captura a essência do espírito patriótico brasileiro e se tornou um símbolo icônico da história do Brasil. Sua composição é grandiosa, com um forte senso de dramatismo e heroísmo. O céu ao fundo está pintado em tons vibrantes, sugerindo um momento de fervor nacionalista e liberdade. O artista tornou-se um símbolo de brasilidade ao defender a ideia de transferir a capital do Rio de Janeiro para o centro do país, um sonho que só se concretizou em 1960, com a inauguração de Brasília pelo Presidente Juscelino Kubitschek.

Quem é a terra que Pedro Américo tanto amou? Fundada em 25 de setembro de 1654, Areia tornou-se uma das cidades mais antigas do estado da Paraíba, sendo um importante centro econômico e cultural na região. Seu rico patrimônio arquitetônico, composto por muitos edifícios históricos bem preservados, incluindo igrejas, casarões, praças e ruas que remontam aos séculos passados. Um dos pontos mais famosos é o Teatro Minerva, considerado um dos mais antigos do Brasil. Areia foi a segunda cidade do Brasil a decretar a abolição da escravatura antes mesmo da lei ser assinada pela Princesa Isabel e a primeira cidade do estado a utilizar o jornal impresso.

Os engenhos de Areia são espelhos e reflexos da era do cultivo intensivo da cana-de-açúcar para a fabricação de cachaça, rapadura e mel de engenho. Em algum ponto da história, a cidade contava com mais de 150 engenhos; hoje, 40 ainda estão em funcionamento. Dois deles se destacam pela produção de cachaça de alta qualidade e aceitação: o Engenho Triunfo, que produz 250 mil garrafas mensais da cachaça Triunfo, e o Engenho Vaca Brava, que mói 180 toneladas de cana por dia e produz cerca de 3,5 milhões de litros de cachaça “Matuta” por ano. Areia, a capital da cachaça da Paraíba, tem 51 marcas de cachaça registradas, muitas delas produtos de exportação.

A Reserva Ecológica da Mata do Pau-Ferro, situada no sítio Vaca Brava, e a Comunidade Quilombola do Senhor do Bonfim são irmãs gêmeas na preservação da cultura afro-brasileira e das riquezas naturais de Areia, agregando valor à herança arquitetônica do ciclo da cana-de-açúcar e da colonização portuguesa, bem como aos engenhos de cana-de-açúcar e à intensa história cultural da cidade.

A presença de importantes estabelecimentos educacionais, especialmente a Escola de Agronomia do Nordeste (EAN), fruto do modernismo, contribuiu para atrelar ao Estado pós-30 a classe de intelectuais, entre eles o areiense José Américo de Almeida, político atuante nas mobilizações tenentistas e no movimento regional modernista, que encampou o governo estadual. A EAN despontou como uma das mais importantes iniciativas governamentais naquele momento, hoje transformada em Centro das Ciências Agrícolas da UFPB.

Areia tornou-se a primeira cidade do estado da Paraíba tombada como Conjunto Histórico e Urbanístico pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN. Todo o conjunto arquitetônico Areiense foi analisado pelo IPHAN e considerado de relevância para o desenvolvimento da Paraíba e do Brasil, resultando no seu tombamento em 2006, tornando a cidade, de fato e de direito, Patrimônio Histórico e Cultural do Brasil.

Os mistérios de Areia se ocultam por trás da névoa que envolve suas praças e ruas. Figuras enigmáticas perambulam na solidão gélida da serra, indistintas e apressadas, sem revelar seu destino ou origem. E assim, quase quatro séculos se passaram; Areia permanece imutável, suas memórias arraigadas. O nevoeiro se transforma em um manto branco, enquanto o sino da matriz convoca os fiéis à oração.

Pamarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores

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