“Amo profundamente minha querida Areia, assim como todos os parentes e conhecidos da minha infância, como se nunca tivesse me afastado de lá, e os contemplo vivamente.” Assim se inicia uma das cartas de Pedro Américo, enviada de Florença, em 25 de setembro de 1894, a suas tias Bahia e Dondon. O amor nostálgico de Américo por sua terra natal evoca o sentimento de saudade que permeia os versos de Gonçalves Dias, onde a conexão com a terra de origem é quase visceral, algo que nem o tempo nem a distância conseguem apagar.
Esse laço de afeto, tão profundamente entrelaçado na alma do pintor, se reflete não só em suas correspondências, mas também em sua arte. Sua célebre obra Independência ou Morte captura o espírito do patriotismo brasileiro com maestria, em uma composição onde o heroísmo transborda e o céu vibrante ao fundo sugere o alvorecer da liberdade. Pedro Américo tornou-se um ícone da brasilidade, não apenas pelo seu talento artístico, mas por suas convicções, como quando defendeu a transferência da capital do Rio de Janeiro para o interior do país, um sonho que se concretizou décadas depois, com Brasília.
Mas, afinal, que cidade é essa que moldou a sensibilidade de Pedro Américo? Fundada em 1654, Areia se destaca entre as cidades mais antigas da Paraíba, sendo um dos principais polos culturais e econômicos da região. Suas ruas de paralelepípedos e casarões coloniais testemunham o passado vibrante, onde a história ecoa em cada esquina. O Teatro Minerva, uma joia arquitetônica, é o símbolo vivo dessa riqueza cultural, sendo um dos mais antigos do Brasil. E foi aqui, em Areia, que a abolição da escravatura foi decretada antes mesmo da assinatura da lei pela Princesa Isabel.
A cidade, enraizada no ciclo da cana-de-açúcar, ainda preserva suas tradições nos engenhos que restaram do período áureo da cachaça, rapadura e mel de engenho. O Engenho Triunfo e o Engenho Vaca Brava são dois dos maiores expoentes da produção local, com cachaças que carregam o sabor da terra e a história do suor dos antigos trabalhadores. Mais do que uma bebida, a cachaça de Areia é um elo com o passado, com a terra, com a memória viva de uma era.
Areia também é guardiã de riquezas naturais e culturais. A Reserva Ecológica da Mata do Pau-Ferro, em simbiose com a Comunidade Quilombola do Senhor do Bonfim, preserva não apenas o meio ambiente, mas a cultura afro-brasileira que ainda ressoa nas tradições locais. Esses espaços são reflexos do Brasil profundo, onde a herança africana e a natureza se entrelaçam, criando um mosaico de identidade e resistência.
Outro pilar da cidade é a educação, especialmente através da Escola de Agronomia do Nordeste (EAN), que surgiu como símbolo do modernismo e da renovação intelectual no Nordeste. Nomes como José Américo de Almeida, figura central nas mobilizações tenentistas e no modernismo regional, também caminharam por essas ruas, criando um legado de pensamento e progresso que até hoje se mantém vivo no Centro de Ciências Agrárias da UFPB.
Areia, tombada como Conjunto Histórico e Urbanístico pelo IPHAN em 2006, é um símbolo da preservação e valorização do patrimônio brasileiro. Esse título não é apenas uma honraria formal, mas uma confirmação do que os moradores e admiradores de Areia sempre souberam: a cidade é um tesouro cultural e histórico, cujas memórias continuam a ser contadas em suas praças, ruas e casarões centenários.
E, como se estivesse envolta em um manto mágico, a cidade desperta todas as manhãs sob um nevoeiro suave, que desce sobre suas colinas e dá um ar de mistério a cada passo. As figuras anônimas que caminham por essas ruas parecem eternas, envoltas no anonimato silencioso da serra. O sino da matriz ressoa ao longe, chamando os fiéis para suas orações, e a história de Areia, imutável e vibrante, segue seu curso, enquanto o tempo parece desacelerar em respeito à sua grandeza.
O passado e o presente coexistem em Areia, criando uma cidade que não só se lembra de sua história, mas a vive e a reinventa diariamente. Para aqueles que caminham por suas ruas ou contemplam sua paisagem, Areia é mais que um lugar no mapa — é um estado de espírito, uma conexão profunda com o que há de mais autêntico e poético no Brasil.
Palmarí H. de Lucena, Paraíba do Alto: Histórias e Imagens Aéreas