Enquanto o Brasil torna-se mais religiosamente diverso e secular, o governo do Presidente Bolsonaro continua outorgando vitória após vitória a apoiadores religiosos de denominações evangélicas, que buscam mais influência na formulação de políticas públicas, acesso a recursos do Erário e em algumas instâncias, presença desproporcional em funções do Estado, exercidas pelo Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Embora a laicidade do País seja fundamentada na Constituição de 1988, legislação e decisões judiciais envolvendo questões de liberdade religiosa, diferença entre o direito do cidadão de praticar sua crença e seu direito de liberdade de dogmas e crenças religiosas, correm o risco de serem sutilmente alteradas por decisões de magistrados de viés religioso, políticas publicas privilegiando pastores e igrejas da base política do governo.
Cláusulas constitucionais estabelecidas para proteger minorias e assegurar liberdade religiosa, estão sendo frequentemente questionadas por segmentos de denominações cristãs, empoderadas por políticos direitistas, tanto no Brasil como nos EUA, que se sentem ameaçados pelo laicismo do Estado. Demandas enraizadas na retórica da direita religiosa americana ou espelhando decisões recentes da Suprema Corte Americana, após formar maioria conservadora. Decisões que expõem desacordos fundamentais sobre o significado de “separação de estado e igreja” e o que representa fielmente a “história e tradição “da Nação.
A “Declaração dos Direitos” dos Estados Unidos, codifica o conceito de que o apoio do Estado por uma religião em particular ou como um todo, viola os direitos naturais do cidadão. A separação entre Igreja e Estado, adotada nos EUA desde a Emenda nº1, de 1.791, decorre diretamente do direito à liberdade religiosa, princípio básico de toda a política republicana. Similarmente, a Constituição de 1988, consagra como direito fundamental a liberdade de religião, prescrevendo que o Brasil é um país laico, em outras palavras, o Estado deve se preocupar em proporcionar a seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa, proscrevendo a intolerância e o fanatismo.
Participação de evangélicos na política partidária tendia a manter-se longe da lógica partidária, lógica que mudou quando a liderança religiosa passou a entender que era preciso estar no poder para garantir o avanço da fé, tornando a Teologia da Prosperidade uma mudança inevitável, em outras palavras, “se você foi eleito por Deus, você tem prosperidade econômica”. Em 2018, pastores apoiados por candidatos da direita, levaram parte da população brasileira para as ruas, construindo a base de uma poderosa direita religiosa encaixada perfeitamente em uma pauta de costumes, subsidiada pela questão moral e o conservadorismo político-religioso.
Precarização do trabalho, desemprego, inflação e fome, provocam aumento em gastos de campanha e capital político para a fidelização de mulheres evangélicas, vistas como antídoto crucial contra a rejeição de candidatos. Estratégia lógica, do um ponto de vista eleitoreiro, porém repleta de perigos, como o aumento de ataques as instituições do estado laico, ameaças de dessecularização de políticas públicas, promessas de formação de maiorias de viés religioso nos tribunais e subsídio de atividades de cunho religioso. A mistura tóxica de política com religião não augura bem para um desfecho eleitoral, que pacifique ou pelo menos estimule o retorno a civilidade e a convivência democrática, seja quem for proclamado vencedor pela instância competente do Poder Judiciário, como estabelecido na Constituição Federal de 1988.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores
Você escreveu com competência sobre um tema polêmico e atual da realidade brasileira.