Amandla… awethu!

Suntuoso prédio na Esquina da Rua Maude com a Rivonia, sede da Bolsa de Valores de Johannesburg, na exclusiva zona de Sandton. Marco zero dos investimentos e finanças da África do Sul. Atmosfera tensa, lembranças das manifestações antiapartheid e da repressão violenta das forças de segurança do estado racista. Todos temiam o caos nas ruas, não queriam acordar os fantasmas do dos anos 70 e 80. Imagens de policiais reprimindo indiscriminadamente os protestos de jovens negros…

Concertinas de arame farpado formavam barreiras de proteção nas calçadas. Carros da policia bloqueavam acessos a edifícios e ruas, controlando passivamente o progresso da marcha. Multidão multirracial acompanhava o evento com segurança, registrando os acontecimentos com câmeras digitais. Pétalas de jacarandá esmagadas pelos pés irados de jovens que carregavam cartazes de protesto multicoloridos. Cores do protesto pisoteando as cores da natureza. O líder gritava: ¨amandla¨. Respondiam: ¨awethu¨. Poder para o povo!

A vanguarda da marcha aguardava milhares de companheiros que convergiriam no local. Dançavam o ¨toi-toi¨, ritual de protesto usado nas manifestações contra o apatheid. Punhos irados contrastavam com o azul do céu e o lilás dos jacarandás em flor. Demandavam a divisão das riquezas da nação e mais oportunidades de trabalho.

Os manifestantes pertenciam a Ala Jovem do CNA, o partido de Nelson Mandela no poder. Os policias e seus comandantes eram maioritariamente negros; os equipamentos policiais usados para controlar e proteger o trajeto da marcha excluía os Casspirs (caveirões) ou carabinas de calibre pesado. Usados outrora para reprimir demonstrações de desobediência civil contra o apartheid. Os veículos haviam se convertido em produtos de exportação, para lugares distantes como o Brasil e o Iraq. O protesto terminou pacificamente.

Chegamos ao Bairro do Soweto, à igreja Regina Mundi, refúgio de manifestantes e pessoas procuradas por resistência ao apartheid. Protagonista da luta pela equidade e justiça para a população negra. Nosso guia apontou em direção a um edifício de dimensões impressionantes, mesmo à distância. Igreja Brasileira! Igreja Universal, explicou. Continuamos a jornada sem nenhuma outra menção.

Um ícone da luta antiapartheid in Soweto, o memorial Henry Piertson. Adolescente morto em 1976 por soldados brancos em Casspirs blindados, converteu-se em uma das primeiras vitimas da repressão militar contra estudantes secundários negros. Protestavam contra a imposição do africâner, a língua do colono branco, nas escolas dos guetos raciais, conduzindo à morte de mais de cem estudantes desarmados. Fotografias e filmes dos embates galvanizaram a opinião pública mundial, seguido de um embargo econômico contra o regime racista. A memória do passado reforça a necessidade de manter um regime democrático e o direito de protestar pacificamente.

A mobilização internacional contra o apartheid expôs os Casspirs nas grandes capitais do mundo, como símbolo maior da brutalidade e da repressão sul-africana. Depois de uma visita ao memorial Henry Piertson, é difícil entender ou explicar o uso dos caveirões, fabricados na África do Sul, nas favelas do Rio de Janeiro, como instrumentos de pacificação e como construtores de confiança da população excluída no estado brasileiro. ¨Amandla… awethu¨.

Palmarí H de Lucena palmari@gmail.com