A aversão às emendas parlamentares, especialmente nos Estados Unidos, não é novidade. Embora problemáticas em ambos os países, é no Brasil que a situação atinge proporções alarmantes, como se pode constatar em uma análise comparativa.
Nos Estados Unidos, essas verbas, conhecidas como pork barrel, carregam uma conotação pejorativa, referindo-se à “apropriação legislativa destinada a prestigiar legisladores diante de seus eleitores”. A expressão evoca a imagem de carne de porco armazenada em barris com gordura, algo repulsivo e insalubre—uma metáfora perfeita para essas emendas.
A organização Citizens Against Government Waste (CAGW) monitora essas emendas no orçamento federal americano. Classificadas como pork, atendem a critérios como serem solicitadas por apenas uma Casa do Congresso, não serem autorizadas especificamente, ou servirem apenas a interesses locais. A CAGW também aponta mensalmente um congressista como o “porcalhão do mês” por apresentar a emenda mais absurda.
No Brasil, o cenário é ainda mais crítico. Em 2021, o valor orçado para emendas parlamentares foi de R$ 35,4 bilhões, com R$ 18,5 bilhões destinados às emendas de relator. Para 2024, o orçamento prevê R$ 5,6 bilhões para emendas de comissão, valor que originalmente era de R$ 16,6 bilhões, mas caiu para R$ 11 bilhões após um veto. Mesmo assim, o valor é superior ao do ano anterior. Os outros tipos de emendas parlamentares, que são as emendas individuais obrigatórias (R$ 25 bilhões) e as emendas de bancadas (R$ 11,3 bilhões), não sofreram modificação de valores.
Diferente das emendas americanas, as brasileiras não têm objetivos claramente definidos e podem ser alteradas ao longo do ano. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou contra a falta de transparência, mas a questão permanece sem solução.
Nos Estados Unidos, os congressistas devem certificar que eles, seus cônjuges e familiares não têm interesse pessoal nos projetos, algo ignorado no Brasil, onde as emendas são usadas para favorecer municípios em troca de apoio eleitoral. A ausência de mecanismos de controle no Brasil agrava ainda mais o problema.
O falecido senador John McCain criticou duramente o sistema, afirmando: “Quanto mais poderoso você seja, maior é a probabilidade de emplacar emendas. Assim, é um sistema corrupto”. Essa crítica se aplica perfeitamente ao Brasil, onde as emendas são mais numerosas, caras e cercadas de opacidade.
Com a ascensão do Centrão ao controle do Parlamento e do Executivo, o orçamento discricionário, antes destinado a despesas federais de alcance nacional, agora é pulverizado em pequenos projetos nas bases eleitorais, comprometendo seriamente investimentos cruciais, como a proteção à Amazônia, saúde e educação.
A situação no Brasil é muito mais grave. Sem o trabalho diligente da imprensa, saberíamos ainda menos sobre essas emendas, especialmente as de relator, apropriadamente apelidadas de “orçamento secreto”. Falta disseminar o conhecimento sobre todas as emendas e criar entidades para monitorar esse fenômeno e o cenário político em torno dele.
Palmarí H. de Lucena