À toa em uma manhã de saudade

À toa em uma manhã de saudade

Começamos o dia sentindo uma saudade gostosa. Dobrado militar executado magistralmente pela banda de música dos Fuzileiros Navais, cortesia do Youtube. Sons brasileiros que lembravam um batalhão escocês tocando suas gaitas de fole. Viajamos da fuga da Asa Branca pelos céus dos sertões até o lago azul e a noite de lua do Cisne Branco. Lágrimas migrando para o canto dos olhos, transformando-se em uma cascata salgada regando a tristeza do sorriso da memória. Quantas bandas havíamos visto passar…

Banda de música marchando em silêncio. Fileiras de homens vestidos uniformemente em verde oliva, atentos aos comandos de um vulto marcando passo. Personagem franzina com enorme surdo atrelado ao seu tórax. Rodopiando a maceta em crescentes movimentos giratórios sobre sua cabeça. Moveu o braço repentinamente em direção ao instrumento, um ¨bum¨ ressoou robustamente pelo espaço. Palhetas, embocaduras e peles de tambores acordaram em perfeita harmonia. Botas marchando na cadência rítmica de um dobrado, nossos sonhos de menino viajavam pelo planeta mágico, que o nosso pai habitava: a banda de música do 15º Regimento de Infantaria.

Empunhando sua arma favorita, um trombone, nosso pai aparecia no meio do ensamble. Brilho do suor da sua face redonda, competindo com as grandes campânulas das tubas e dos bombardinos. Acompanhávamos o progresso da banda. Mesmerizados pela sonoridade ou solenidade do momento, guiados pela lira dourada alçada na frente do pelotão. Centurião músico, músico da paz, até que um dia…

As bandas passaram, passaram pelos tempos. Os dobrados se transformaram em símbolos do poder ilegítimo, o que era doce acabou. Duas décadas, nervos acordados, punidos pelo medo e a opressão que as músicas transmitiam. Tudo passou um dia… menos a dor. Esquecemo-nos dos dobrados de alhures, nunca mais sentimos aquela doce alegria dos sons de uma banda.

Crônica no jornal sobre o centésimo aniversário de um pai, lembrou-nos que o nosso alcançaria a mesma idade em Abril. Partira muito antes, mas as músicas dos seus tempos não morreram, desafiando e sobrevivendo aos sons e ritmos do mundo eletrônico. Taquigrafia digital imediatista e efêmera da nova ordem musical do Illuminati. Décadas de sua partida, ainda ouvíamos os dobrados da nossa infância.

Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores

João Pessoa, 07 de março de 2013