Precariamente coberta, próximo à médica, uma maca com um lençol desbotado e importado, logotipo da US Veterans Health Administration, lixo hospitalar norte-americano. Calor, humidade, cheiro de doença se confundiam com a flagrância delicada do sabonete na pia, presente de uma paciente agradecida. Pacientes esperando estoicamente portando envelopes com exames médicos, outros mais impacientes, formando um aglomerado barulhento à porta semiaberta do pequeno consultório. O ar condicionado não funcionava. Pôsteres e marcas de cabeças suadas na parede quebravam a monotonia da sala de espera. Quarenta pacientes, o dia mal havia começado…
Examinando as fichas, fazendo anotações sem grande emoção, duas atendentes mantinham os olhos fixados nos documentos diante delas. Evitando contato visual com os pacientes que tentavam atrair sua atenção. Qualquer distração da rotina, resultaria em um coro de reclamações e demandas. Pessoas referindo uma multiplicidade de doenças em termos coloquiais, pobremente interpretados por parentes, motoristas de alternativos ou outras partes interessadas. Balcão do SUS, muro das lamentações. Litania de queixas sobre injustiças, carências e pobreza.
Exames cancelados, instalações elétricas inadequadas haviam danificado os equipamentos dos médicos para realização de diagnósticos. Passariam meses até a situação ser sanada. Devido a problemas orçamentários, que já haviam causado atrasos no pagamento dos honorários, o conserto ou substituição dos equipamentos ficariam à cargo dos proprietários.
Filha do prefeito, nova secretaria de saúde de uma cidade do Alto Sertão, foi clara ao tomar posse. Pagamento de três meses de serviços prestados à população por profissionais de saúde na gestão anterior, não era sua responsabilidade. Na região metropolitana de Itabaiana, após meses sem receber honorários, vários médicos deixaram de atender à população. Quatro anos passaram, os pagamentos ainda não foram realizados. Recentemente os dois municípios foram listados entre aqueles que têm dificuldade em obter serviços médicos. Fatos citados entre as justificativas para importar médicos, notadamente cubanos, sem avaliar rigorosamente suas qualificações profissionais para trabalhar na sexta economia do mundo.
Enquanto nosso povo sofre de problemas de saúde e falta de atenção médico-hospitalar adequada, esquecemos conviventemente que a decadência e ineficiência do SUS é principalmente herança maldita da improbidade administrativa e corrupção, que permeiam nossas instituições.
Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores (U.B.E.)