À procura de um herói

Pessoas caminhando rapidamente, passando sem sequer procurar ou notar os Pokémons humanos embrulhados em trapos e pedaços de papelão, dormindo à sombra de áárvores. Zumbis atordoados pela luz do sol, protegidos da sociedade ao seu redor pelo nojo e rejeição causada por sua aparência bizarra e evidente falta de cuidados pessoais. Carente de peças raras ou originais, a praça transformando-se em um museu aberto da miséria humana. Notamos um belo gato acariciando inutilmente um corpo inerte, estupor dissociativo e ternura animal se desencontrando. Casal de namorados, presença perdida na indiferença dos caminhantes e a alienação dos residentes, vivendo sentimentos assimétricos à realidade das almas penadas na periferia dos seus sonhos.

Perambulamos distraidamente pela Praça da Sé em busca de um momento ou uma distração que nos removesse, mesmo por um instante, da encruzilhada cruel e dos desenganos impostos ao povo brasileiro pelos residentes do hospício amoral, liderado por uma caricatura política do Doutor Simão Bacamarte, o alienista da Casa Verde de Machado de Assis. O mais louco de todos, sempre trocando civismo por cinismo.

Descobrimos a Capela de Nossa Senhora das Almas dos Aflitos, no Largo da Liberdade, o antigo Largo da Forca de São Paulo. Parte de um cemitério destinado a enterrar escravos, indígenas e infratores pobres ali executados. Preocupação da Igreja com a necessidade de proteção divina para pessoas que, em vida e por ocasião de suas mortes, enfrentaram sofrimentos e aflições próprias de sua exclusão social. Encontramos lá um herói: um soldado chamado Chaguinhas. Líder de uma insurreição contra o comando português por atrasar por cinco anos os soldos dos militares. Derrotado e submetido a julgamento, assumiu responsabilidade pelo incidente, sendo condenado à forca. Durante a execução, a corda partiu-se três vezes, fato interpretado como um ordálio divino, eventualmente foi assassinado à coronhadas. O evento nos remete a perguntar: quem são os heróis de hoje? Como vamos julga-los no futuro?

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores