A roqueira e o astronauta…

A roqueira e o astronauta…

Festejávamos o ritual americano do TGIF, “graças a Deus é sexta-feira”, em um barzinho na Rua 48 Oeste, entre a 7ª e a 8ª avenida. Al, o proprietário, gabava-se do endereço: “estamos a vinte palpitações da Times Square”. Prédio de fachada modesta. Letreiro em néon na vitrine: Al Lang’s Bar – Drinks – OPEN. Cortinas fechadas, discreto. Mister Lang não acreditava em décor moderno. “Só funciona em bar gay”… Longo balcão de mogno, polido constantemente. Prateleiras bem iluminadas, exibindo todos os tipos e marcas de bebidas. Taça de cristal enorme ao lado do caixa, repleta de notas de dólar. Convite às propinas. Longe do balcão, dois richôs com petiscos mexicanos. Ponto de encontro entre colegas.

A estrutura de poder do bar era inequivocamente vertical. Mantra repetido por seus dois lugares-tenentes: “Mister Lang é quem decide tudo”. Hildelgard Hanna (HH), o caixa, ex-bailarina exótica no Sultanato de Brunei e atual esposa do chefe. Cinquenta anos os separavam. Michael O’Brien, o porteiro. Reboque humano. Ex-policial e boxeador. Aposentado por distúrbios de comportamento. Mão direita estendida, no pé da escada. “Hi, I am Mike”. Homem de poucas palavras. Loquaz, quando discutiam fatos e estatísticas de beisebol. Gênio da trivialidade. Tinha seus fãs…

Três garçonetes, em trajes de coristas de musical da Broadway, enriqueciam a “mise-en-scène”. Linhas imaginárias dividiam o balcão em três territórios: Deedee, Maria e Rusty. Atriz, roqueira e sapateadora, respectivamente. Sorridos ensaiados. Exímias conhecedoras da preferência e tolerância alcoólica de cada cliente. Rusty, a mais astuta, citava truísmos a todo instante. “Nunca se sabe se o bêbado em frente de você é um produtor ou diretor”, filosofava. Manifestações românticas entre garçonete e cliente, violavam o código de conduta. HH, sempre atenta aos desvios, mantinha a disciplina. Torquemada…

Dia das Mães. Bar vazio, todos em casa comemorando. Mike ocupado descarregando caixas de cerveja. Maria polindo o balcão pela enésima vez. Terapia ocupacional. A calma do dia nos inspirou a convidá-la para o teatro. Tínhamos dois tickets para o show “Cabaret”. Resposta rápida e contundente, “não nos envolvemos com clientes”. Batemos em retirada…

Voltamos meses depois. Rusty nos recebeu com um sorriso robusto. “Cuba Libre” no balcão. Evitamos contato visual com Maria. Distraímo-nos com a música. Notamos um guardanapo dobrando, decidimos abri-lo disfarçadamente. Breve mensagem, aceitando nosso convite, com número de telefone. Chamamos no dia seguinte. Primeiro encontro, cine de arte e pizza. Repetimos a rotina quatro semanas. Despedíamos com um beijo de “boa noite”. Parecia discreta sobre o que fazíamos. Terminamos após uma acirrada discussão sobre o documentário “Le Chagrin et la Pitié”, de Marcel Ophüls. Ela não acreditava em anti-semitismo francês. Nunca mais nos vimos…

Passávamos em frente de uma loja de discos, próxima a Radio City. Abre-se a porta de uma limusine branca. Passageira, mulher jovem vestida como uma hippie de discoteca. Sorrindo em nossa direção. Reconhecimento e surpresa. Maria, a garçonete do Al Lang’s Bar. Roqueira. Tarde de autógrafos, seus autógrafos. Top 10, na parada de sucessos de Nova Iorque. Cantora da banda Dr. Buzzard’s Original Savannah Band e da canção “Cherchez la Femme” (Procure a Mulher). O som do Bronx no mapa musical americano.

Conversamos como velhos amigos, sem mencionar o Al Lang’s Bar. “Ainda gosta de Cuba Libre?”, perguntou timidamente. Partiu acompanhada de sua entourage, sem esperar a resposta… Enquanto nós seguíamos sem entender porque havia aceitado nosso convite.

Anos depois, colega nosso revelou que havia informado, por pura picardia, que éramos astronautas brasileiros, já que Maria se intitulava de roqueira. Talvez por isso, a garçonete que queria ser uma superstar, tenha aceitado sair conosco…

Nova Iorque 1973