A Rainha Vermelha e as janelas quebradas…

– Bem, na nossa terra, responde Alice, ainda arfando um pouco, geralmente você chegaria a algum outro lugar… se corresse muito rápido por um longo tempo, como fizemos.

– Que terra tão pachorrenta, comentou a Rainha. Pois aqui, como vê, você tem que correr o mais que pode para continuar no mesmo lugar.

Diálogo no episodio de encontro de Alice com a Rainha Vermelha, no livro Através do Espelho, de Lewis Carroll.

A vítima não era um homem comum. Torturado com choques elétricos, com a precisão e a crueldade dos carcereiros da prisão de Abu Ghraib. Uma pessoa de certa notoriedade. Músico, compositor e empresário. Outra vítima, uma pessoa desconhecida. Nome estranho. Tatuagem no torso nu, queimado. Uma maca no chão. Profissão, nenhuma. Estado atual, apenando. Vitima de seus companheiros. Não era considerado uma pessoa, dentro ou fora da instituição. Adquiriu certa notoriedade no corredor do hospital. Posando inconsciente para as câmeras dos celulares de estranhos. O fotografo anônimo dizendo aos vizinhos e família, “a foto é minha!” João Pessoa perdeu a inocência. Somos vitimas, ricos ou pobres. Tema transversal…

Fomos o ultimo pais a entrar na crise e o primeiro a sair. Perguntamo-nos: Por que nos sentimos tão mal, quando estamos tão bem? Por que planejamos tantas soluções e ainda tratamos o problema de segurança, como uma emergência súbita? Por que nossas cidades estão implodindo? Por que ganhamos os Jogos Olímpicos e estamos perdendo as ruas? Uma das possíveis respostas talvez seja a Teoria das Janelas Quebradas.

A teoria argumenta que pessoas são mais inclinadas a cometer crimes, em ambiente de desordem. Atos antissociais, como urinar ou cruzar fora da faixa de pedestre nas ruas; uso de drogas ilícitas ou bebidas alcoólicas em publico; mendicância agressiva ou pichação de paredes e monumentos, quando tolerados, estimulam as pessoas cometerem outras violações da lei. Baseia-se num experimento realizado por Philip Zimbardo, psicólogo da Universidade de Stanford, com um automóvel deixado em um bairro de classe alta na Califórnia. Durante a primeira semana, o carro não foi danificado. Após o pesquisador quebrar uma das janelas, o carro foi completamente destroçado e roubado por grupos de vândalos, em poucas horas. Algo semelhante ocorre com a delinquência, com o crime urbano.

Qualquer pessoa trafegando nas ruas da nossa cidade é confrontada por uma verdadeira legião de suplicantes, pedintes, meliantes e oferecedores de serviços de estacionamento ou lavagem de veículos, cujo propósito principal aparenta ser compensação por não danificar ou deixar outros avariarem sua propriedade. O publico geralmente encara essas atividades como pura chantagem social. Elas ocorrem na luz do dia. Muitas vezes na presença de policiais. Não é necessário procurar por nossas janelas quebradas. Elas nos saltam aos olhos…

Cadeirantes ora na esquina da Beira Rio com a Avenida Juarez Távora, ora no semáforo da junção da Beira Rio com a Rua Macionila da Conceição, bloqueiam uma das faixas para pedir esmolas aos motoristas. Todos aposentados por invalidez, pelo INSS. Cruzamentos com menores pedindo dinheiro ou tentando lavar pára-brisas. Vários carregam parafernália para o uso de drogas. Alguns são veteranos nas páginas policias. São reconhecidos prontamente pelos motoristas. Menores coletando lixo e dirigindo carroças de tração animal, precariamente. Crianças dormindo ao relento ou nas marquises de prédios públicos. Todos os dias novos programas são anunciados por diversos setores governamentais. Os problemas persistem. Aparentemente ninguém faz nada ou nota as janelas quebradas…

Continuamos reagindo, esperando que um crime aconteça para tomarmos as “providências cabíveis”. Solução parecida com a rainha de Alice, “… cortem-lhe a cabeça!” Pouco se fala de prevenção, de uma atuação mais integrada da policia, do ministério publico, educadores e a sociedade civil, como uma força tarefa, na mediação e resolução pacifica de conflitos, nas escolas e comunidades. O governo perdeu o controle das ruas. As janelas continuam sendo quebradas. O possível impacto do objetivo pretendido pela bolsa-escola é nulificado pela “bolsa-crime” ofertada por criminosos, como incentivo para o cometimento de atos ilícitos. A mudança-zero persiste…

O galo cantou. A Rainha Vermelha ficou no mesmo lugar…