Picadeiro de todas as emoções da cidade, pequena praça na junção de três ruas. Decorada suntuosamente por flamboaiãs e acácias em flor. Moças vestidas em trajes domingueiros de missa, com a tendência do momento funcionalmente adaptadas a interesses românticos e caprichos da adolescência. Caminhando alegremente no sentido dos ponteiros do relógio. Observadas complacentemente por rapazes, alguns em pequenos grupos, posições estáticas nas esquinas, mãos enfiadas nos bolsos das calças, cigarros precariamente colados no canto da boca. O diálogo entre sexos opostos nutrido por trocas de olhares e gestos sutis, ocasionalmente um recado transmitido por uma amiga. Sempre vigilante, o pároco registrava anotações mentais sobre qualquer desvio na conduta dos jovens protagonistas, mesmo um piscar de olho considerado malicioso. A cidade era um lugar hostil às paixões extemporâneas.
Alguns jovens conversando em tom confidencial, desatentos à movimentação ao redor da praça. Liderando a conversa com gestos animados, um rapaz de estatura mediana, trajado atipicamente em mescla e calçando botas de vaqueiro. Decorando seu rosto redondo, carente de outros atributos notáveis, um par de olhos matreiros e boca debochada. Exímio contador de piadas e lorotas, possuidor de um inesgotável estoque de vícios de linguagem, o estudante era conhecido por todos como Pedro Pancho, o filho da lavadeira. Picardia e progresso acadêmico facilitavam seu convívio com colegas de todas as classes nos campos de futebol, bandinhas e batucadas estudantis. A única e mais flagrante exceção, acesso ao clube social da cidade.
Malandros da Serra, a escola de samba dos jovens da cidade, recebeu um convite inusitado para uma apresentação no clube social. Avant-première no seio da sociedade local, nunca sido untada com tamanha honraria. Durante o último ensaio, Pedro confirmou o segredo mais conhecido da cidade, permissão para ele entrar no clube seria negada. Pediu que participassem mesmo assim, era Carnaval.
A escola de samba desfilou diante do palanque das autoridades em silêncio absoluto, cabisbaixos, mãos cruzadas para trás. Pasmados com o ocorrido pediram uma explicação ao chegarem à praça. O grupo havia decidido por unanimidade não entrar ou tocar em nenhum lugar que não permitisse a entrada de um dos seus membros. Diante do impasse, o presidente do clube autorizou que todos participassem na apresentação. Pedro filosofou jocosamente ao saber da decisão: ¨agora posso tirar a palavra pobre do meu dicionário. O verão da serra virou a primavera dele. Feito comemorado entusiasticamente com uma interpretação carnavalesca do samba Acender as Velas…
Palmará H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores