Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um preocupante processo de precarização das relações de trabalho, amplificado por decisões controversas do Supremo Tribunal Federal (STF). Essas decisões, que frequentemente reverteram julgamentos da Justiça do Trabalho favoráveis aos empregados, criaram um cenário onde a terceirização generalizada, a “pejotização” e a erosão do reconhecimento de vínculos de emprego se tornaram práticas comuns. Esse fenômeno representa um grave retrocesso nos direitos trabalhistas arduamente conquistados ao longo da história.
Desde a década de 1990, uma série de medidas legislativas e judiciais contribuiu para essa precarização. No entanto, as recentes deliberações do STF marcam um ponto de inflexão sem precedentes no direito do trabalho no Brasil. Conforme destaca o juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região, estamos presenciando uma verdadeira “devastação laboral”, conduzida por essas decisões da Suprema Corte.
Um exemplo particularmente alarmante é a decisão do STF que considerou lícita a terceirização em qualquer tipo de atividade produtiva. Essa decisão, além de legitimar jornadas de trabalho extenuantes, como o regime 12×36, remete a condições de trabalho típicas do início do século XIX. Essas ações levantam sérias preocupações sobre o futuro dos direitos dos trabalhadores no Brasil.
Outro ponto crítico é a pejotização, prática na qual trabalhadores são contratados como pessoas jurídicas (PJ) para mascarar uma relação de subordinação que, na realidade, deveria ser caracterizada como um emprego formal. Essa prática, considerada por muitos especialistas como uma fraude trabalhista, foi facilitada por decisões do STF que, em várias ocasiões, reverteram julgamentos da Justiça do Trabalho que reconheciam o vínculo empregatício.
Essa tendência, conforme analisado por Leonardo Vieira Wandelli, consultor do Alto Comissariado em Direitos Humanos da ONU e juiz do TRT da 9ª Região, reflete uma mudança radical na postura do STF, que nos últimos 15 anos tem atuado de forma ativista para desconstruir as garantias constitucionais do trabalho. Trata-se de um paradoxo, considerando que o STF se posiciona contra extremismos políticos, mas, ao mesmo tempo, desconstrói as bases do Direito do Trabalho.
O impacto dessas decisões é profundo e afeta diretamente a classe trabalhadora, que vê seus direitos sendo dilapidados. A próxima grande batalha no horizonte é a “uberização” das relações de trabalho, com o STF prestes a julgar uma ação que poderá definir o futuro do reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhadores e plataformas de aplicativos.
Neste contexto, o Brasil se encontra em um momento crítico, no qual a maneira como lidará com as relações de trabalho uberizadas determinará o tipo de sociedade que desejamos construir. Queremos um país onde o trabalho seja uma forma digna de integração social, ou aceitaremos um modelo onde a precarização é a regra e os direitos dos trabalhadores são continuamente enfraquecidos? Essa é a questão central que está em jogo.
Palmarí H. de Lucena