No auge da Segunda Guerra Mundial, enquanto submarinos nazistas espalhavam destruição pelo Atlântico, um movimento inesperado e simbólico acontecia: 168 obras de arte brasileiras cruzavam o oceano, levando a expressão artística do país até a Europa devastada. Candido Portinari, Di Cavalcanti, Lasar Segall, Heitor dos Prazeres, Cardosinho e outros renomados artistas doaram suas criações, unindo arte e diplomacia em um gesto de soft power que projetava o Brasil além do conflito bélico.
Enquanto nossos soldados lutavam na Itália, a diplomacia cultural ocupava seu espaço em Londres. Em novembro de 1944, a cidade, ainda abalada pelos bombardeios, recebeu a primeira grande exposição de arte brasileira na Europa. No início, a Real Academia de Artes, conhecida por seu conservadorismo, hesitou. Mas a insistência diplomática garantiu que obras de Tarsila do Amaral e Portinari fossem exibidas ao público britânico. O leilão das obras, revertido para a Força Aérea Real Britânica, deixou uma marca indelével de solidariedade e cooperação.
Décadas depois, em 2018, esse episódio foi resgatado na Embaixada do Brasil em Londres. O diplomata Hayle Gadelha reavivou esse elo entre arte e diplomacia, reafirmando que a cultura pode ser uma poderosa ferramenta de união entre povos, mesmo em tempos de incerteza.
Quando olhamos para a guerra na Ucrânia, o contraste é claro. No passado, o Brasil atuou com generosidade e envolvimento. Hoje, diante da brutalidade da invasão russa, a postura de neutralidade brasileira enfraquece sua capacidade diplomática. O silêncio de boa parte da comunidade artística e intelectual também chama atenção.
Antes, a arte servia como uma ponte; agora, ela parece ofuscada por uma visão distorcida e um saudosismo político que confunde seus representantes. Líderes autoritários, como Vladimir Putin, apoiados por Viktor Orbán, Donald Trump e Kim Jong-un, figuras que atacam liberdades intelectuais e democráticas, seguem impunes, cobertos pela falsa proteção da imunidade política e covardia intelectual da impunidade.
A sinergia entre arte e diplomacia, que se mostrou tão eficaz em tempos de guerra, poderia novamente ser uma luz de resistência e diálogo. A arte, afinal, sempre transcendeu fronteiras e construiu pontes, mesmo quando o mundo parecia desmoronar.
Palmarí H. de Lucena