A PEC das Praias tem causado uma controvérsia considerável ao se constatar que nove dos 81 senadores que votarão sobre a proposta possuem propriedades em áreas de marinha. Entre eles estão Alessandro Vieira (MDB-SE), Ciro Nogueira (PP-PI) e Renan Calheiros (MDB-AL), conforme dados da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e da Justiça Eleitoral. Este fato levanta questões éticas e potenciais conflitos de interesse, considerando que a proposta pode beneficiar diretamente esses senadores.
Procurados pela imprensa, cinco desses senadores afirmaram não ver impedimento em analisar a proposta, enquanto os outros quatro preferiram não se manifestar. A PEC facilita a transferência de propriedades da União em áreas urbanas para estados, municípios ou proprietários privados, medida criticada por especialistas por potencializar insegurança jurídica, permitir a privatização de áreas litorâneas e abrir brechas para grilagem.
Terrenos de marinha são áreas costeiras e margens de rios e lagos sujeitos às marés, definidos a partir da maré cheia de 1831. Esses terrenos, compartilhados com a União, geram uma taxa de foro pelo uso e uma taxa de laudêmio em caso de transferência de propriedade. A PEC prevê a cessão onerosa dessas áreas, obrigando os ocupantes a comprar a parcela da União. Na prática, porém, a proposta não define sanções para o não pagamento, o que pode gerar inadimplência.
Em 2022, técnicos alertaram que a medida poderia resultar na maior transferência de patrimônio público para o setor privado na história do país, com um prejuízo potencial de até R$ 1 trilhão. Ambientalistas também expressam preocupação com os riscos à biodiversidade ecológica que a privatização dessas áreas poderia acarretar.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator da PEC e defensor fervoroso da proposta, viu o texto ser aprovado pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022. Seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, promoveu mudanças nas regras para estimular o desenvolvimento turístico na região de Angra dos Reis, área possivelmente afetada pela PEC.
Parlamentares favoráveis à PEC negam sentir desconforto em votar uma proposta que pode beneficiá-los. Flávio Bolsonaro argumenta que a PEC aumentará a segurança jurídica para os atuais ocupantes das áreas e elevará a arrecadação federal, além de atender às necessidades de municípios com grandes áreas litorâneas. No entanto, a SPU já havia alertado, na época da aprovação do texto na Câmara, sobre os efeitos negativos da PEC no patrimônio da União.
O governo federal estima que existam cerca de 48 mil quilômetros de terrenos de marinha no Brasil, dos quais aproximadamente 15 mil quilômetros estão demarcados. A PEC das Praias, se aprovada, poderá representar um enorme retrocesso na gestão e proteção desses bens públicos.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores