A ONU e uma eleição que mudou a história…

Primeiro de janeiro de 1994, um movimento guerrilheiro apareceu repentinamente no Estado de Chiapas. Ocupando prefeituras e edifícios públicos, milícias de homens e mulheres encapuzados demandando o fim da marginalização do povo indígena; anulação do tratado de livre comércio entre México, Estados Unidos e Canadá; combate à corrupção e reforma política. Luta armada sendo usada não para derrubar o sistema e sim para exigir a inclusão da sociedade civil.

Consulta informal do Governo do México à ONU, em fevereiro. Mecanismo usado normalmente por países membros, quando abordado temas políticos de negociações intensas. Implícito na consulta, a possibilidade de assistência externa para observação eleitoral, que o governo havia resistido até então. O país vivia em estado permanente de reforma eleitoral, sem nunca implementá-la completamente.

A eleição presidencial marcaria o principio do fim da hegemonia política do Partido Revolucionário Institucional (PRI). O partido oficial sustentando-se no poder, por um sistema de corrupção, sem golpes, preservando as eleições e o pluripartidarismo, nos últimos 65 anos. A chamada “Ditadura Perfeita”.

A pressão política do movimento zapatista e a repercussão mundial motivaram o governo a iniciar, embora timidamente, mudanças, e ao mesmo tempo, assistência técnica externa em questões eleitorais. A situação do país e o fato da eleição ser constitucional, não justificavam a presença de uma missão observadora. Faltava confiança no governo, mas este não era um problema dentro da esfera da ONU. Embora não rejeitado, a resposta ao pedido foi cautelosa. As negociações foram aceleradas depois do assassinato do candidato do PRI a presidência, quase três meses após o inicio da rebelião em Chiapas. As partes concordaram em criar condições para usar serviços de assistência técnica eleitoral multilateral, capacitação e apoio logístico às organizações da sociedade civil engajadas na observação da eleição presidencial, a ser realizada em Agosto.

Chegamos ao México no começo de Junho. Equipe multinacional, cinquenta experts prestando assistência a dezesseis organizações de observadores nacionais. A mais importante delas, a Alianza Cívica, formada por quase quinhentas organizações da sociedade civil representando fielmente o mosaico étnico-cultural do país. O empresariado e o movimento sindical também participavam. Sociedade civil mobilizada. Administrar um fundo especial de mais de três milhões de dólares, nossa missão. Apoio logístico à equipe de experts da ONU e os observadores nacionais. A tarefa mais crítica foi negociar instrumentos e procedimentos que assegurassem a neutralidade das organizações. Várias reuniões, algumas tensas e sumamente complicadas. Chegamos a um acordo sobre a divisão de trabalho entre a ONU e as organizações que velariam pela boa realização do pleito.

Desenvolvemos algo novo durante o processo. A ONU se converteu em um ator importante na habilitação da sociedade civil para participar em uma observação eleitoral, sem tornar-se um juiz ou coadjuvante no processo. A possibilidade de fraude em uma eleição contenciosa e historicamente imperfeita, criou condições para uma abertura nas relações entre o governo, até então dominado pelo PRI, e as organizações da sociedade civil. Um raio de luz no conceito rígido de soberania nacional em questões relacionadas com a observação eleitoral e a participação de organizações internacionais.

O modelo desenvolvido no México, não recriou ou modificou o sistema. Os grandes desafios eram aumentar a confiabilidade e a participação do povo na observação eleitoral. Meta alcançada. Estabelecendo assim uma ponte entre o ceticismo cidadão e a esperança de uma sociedade mais justa e aberta…

Mexico 1994