Nos últimos anos, a ideia de governança inclusiva tem ganhado força como uma estratégia fundamental para empresas e instituições que desejam prosperar em um mundo cada vez mais diverso. A diversidade, ao ser vista como um ativo valioso, está diretamente relacionada à qualidade dos resultados alcançados. No Poder Judiciário, essa relação não deveria ser diferente. A qualidade de suas decisões não deve ser medida apenas pela rapidez e fundamentação das sentenças. A verdadeira resolução de conflitos sociais demanda uma abordagem que vá além do processo legal puramente ritualístico e formal.
A legitimidade das decisões judiciais não pode se basear em um formalismo que alega uma neutralidade moral inexistente. Uma interpretação da lei que se apoia apenas no conceito de igualdade formal universalista falha em reconhecer a riqueza e a complexidade das demandas de indivíduos e grupos sociais diversos. É necessária uma sociedade plural, composta por intérpretes que compreendam os textos normativos dentro de seus contextos históricos e sociais específicos.
A Suprema Corte dos Estados Unidos já reconhece essa necessidade ao exigir que o corpo de jurados seja um reflexo da sociedade em sua diversidade. No Brasil, no entanto, estamos alarmantemente atrasados. Apenas 12,1% dos juízes são negros, em um país onde mais de 57% da população se autodeclara negra, sendo a mulher negra o ultimo elemento na escala da minoria. Isso é um sintoma claro de um sistema que ainda não incorporou a diversidade como parte de sua essência.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, mesmo com ações afirmativas e um aumento moderado de magistrados, em 2070, apenas 22,8% dos magistrados serão negros. No segundo grau, a expectativa é ainda pior, com apenas 15,18% de representatividade. Embora as projeções de longo prazo possam variar, a mensagem é clara: a diversidade racial no judiciário brasileiro não é uma prioridade iminente.
A exclusão estrutural e histórica imposta à população negra cria uma barreira invisível, mas poderosa, que impede o Judiciário de agir de forma justa e equitativa. O racismo no Brasil é uma realidade enraizada que muitos dos nossos representantes no Judiciário não vivenciam ou compreendem plenamente, o que compromete a construção de uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária.
O Conselho Nacional de Justiça está atualmente discutindo a implementação de um protocolo para julgamentos com perspectiva racial, o que é um passo importante. No entanto, esse tipo de medida não pode substituir a necessidade urgente de uma pluralidade racial genuína entre nossos julgadores. Essa normalização da falta de diversidade reflete uma visão estatal equivocada de igualdade de oportunidades. Além disso, prejudica a capacidade do judiciário de compreender e atender as demandas de grupos sociais marginalizados, desrespeitando o direito fundamental à igualdade.
A Convenção Interamericana contra o Racismo, que foi incorporada à Constituição Federal, oferece um caminho claro. Ela garante às vítimas de racismo um tratamento justo e não discriminatório, acesso igualitário ao sistema de justiça e reparação adequada nos âmbitos civil e criminal. Para que essas garantias sejam efetivas, a convenção permite medidas especiais para promover o progresso de certos grupos raciais ou étnicos. Isso compromete o Brasil a implementar ações afirmativas que promovam igualdade de oportunidades e inclusão.
Implementar esse processo é crucial para que o Judiciário brasileiro adote a diversidade como parte de seu ativo, proporcionando respostas adequadas à população negra contra as violações sistemáticas de seus direitos. A hora de agir é agora, e cabe a nós garantir que o Judiciário seja uma força de justiça e equidade para todos os brasileiros.