A música silenciou na curva da estrada…

Previsão de tempestade no fim da tarde, anunciava a meteorologista da tribo CNN. Frio intenso nas ruas da cidade. Calçadas invadidas por um exército armado com sacolas de compras e dívidas crescentes. Quarteto de metais tocando música natalina. “We wish you a Merry Christmas and a Happy New York”. Ambulantes vendendo parafernália nova-iorquina, “I♥NY”, made in China. Pandemônio. Escapamos em direção ao nosso destino, nosso refúgio. Times Square, o umbigo da cidade…

Virgin Megastore, a maior loja do Leste americano. Mostruário principal, secção de musica clássica, anunciando o lançamento da semana: “Quinteto Brassil plays Brazil”. Composições do músico pernambucano, Maestro Duda, tocadas por professores da UFPB, a grande surpresa. Ouvimos várias músicas na cabine de som. Nordestino vivendo seu Nordeste particular. Imensurável momento de paz no meio da nevasca do lado de fora. Compramos doze exemplares para presentear amigos brasileiros. O Brassil não estava disponível no Brasil…

Cabo Branco, noite de verão, quatro anos depois. Músicos, amigos, artistas. Confraternização descontraída, comemorando o retorno do Maestro Sivuca à Paraíba. Uma gargalhada robusta, ressonando até o mar, anunciando sua chegada, o trombone de Nova Iorque – Radegundes Feitosa. Olhos semicerrados, instrumento nas mãos. Embocadura descontraída, corpo curvado, mãos prontas, prontas para libertar as linhas maravilhosas da clave de fá. Naquela noite, começou nossa amizade. Ano dos seus novos “Desafios e Challenges”. Longe do Brasil, no frio de Helsinque.

Estamos em Nova Iorque, a gargalhada se fez anunciar. Presentes no 33º Festival Internacional do Trombone, na cidade de Ithaca. Trazendo, mais uma vez, um Pouquinho do Brasil para o mundo…

Localizamos um pequeno hotel na Alta Manhattan Oeste. Quartos cheios de metal e talento. Jantar alegre puxado a tagliatelle Alfredo, jazz de JJ Johnson e o barroco do Canadian Brass e muito vinho. Uma idéia, talvez um pedido. Que tal uma “canja” na cidade? Aceitamos o desafio. Partimos em direção ao “Smoke”, renomado clube de jazz na Broadway. O gerente ouviu atentamente a música. “Ok, OK. Tragam os rapazes com seus instrumentos”. Oito músicos “brassileiros” invadindo o clube com a Aquarela do Brasil. Mesmerizados com a apresentação musical, o público e os músicos da casa. “One more time”, mais uma vez, “one more time”. Outro clube queria ouvi-los, Cleopatra’s Needle, também na Broadway. Jazz… “one more time”…

Outros encontros. Os músicos que conquistaram Nova Iorque participando da gravação do primeiro DVD do Maestro Sivuca. Noite mágica, desta vez na casa de todos nós, o Teatro Santa Rosa. Passados anos, mais uma vez o Maestro Sivuca. Lançamento de um livro de partituras clássicas, homenagem póstuma. Trombonista, professor, maestro, orador relutante, paraibano, Radegundes. Música maestro…

Nosso romance com o trombone começou na infância. Sentando no chão, ouvindo o ensaio de uma orquestra de frevo. Regida por um maestro a quem chamávamos pai; Tenente Lucena, para o resto do mundo. Trombonista da Banda de Música do 15º R.I. Ele e Radegundes tinham muitas coisas em comum: meninos de filarmônicas; amor pelas orquestras de frevo; músicos por profissão, professores por vocação. O operário e o gênio do trombone acreditavam na força da música, a força que os transportou de São João do Sabugi e Itaporanga, para o mundo.

Três trombonistas, Radegundis Feitosa, Roberto Ângelo Sabino e Adenilton Soares França, acompanhados do cantor popular Luís Benedito. Povo esperando pela dádiva dos sons dos divinos metais, em Itaporanga. A genialidade das embocaduras, sopro mágico libertando fitas multicoloridas, pombinhas da cor da paz e muitas emoções. Partiram para a eternidade juntos com a música. Que os anjos deixem a banda passar… Porque a música silenciou na curva da estrada. Aleluia!

João Pessoa 2010