Chegada auspiciosa no hotel de Wuping. Jovens enfileiradas nos esperavam. Vestidas com jaquetas e pantalonas, em vermelho mandarim. Cabelos atados estilo Maria Chiquinha. Mãos estendidas em direção ao topo da entrada. Um homem, com ar de autoridade, nos esperava no lobby. O interprete anunciou com a devida cerimônia: “Prefeito Xie Zhong, Condado de Wuping, Município de Longyan.” Os demais membros do entourage foram apresentados perfunctoriamente. Nomes próprios precedidos pelo titulo funcional. Cartões de visita em Chinês e Inglês, entregues com ambas as mãos. Pequeno discurso de boas vindas, com o tradicional chá de jasmim. Havia uma reunião no saguão às 22 horas, para um banquete em nossa honra. Comunicaram que tínhamos uma agenda extensa para cumprir em três dias… “Descansem!”
Observamos uma estatua de Mao Tsé-Tung em frente ao hotel. A primeira que havíamos visto na Província de Fujian, o berço da revolução. Decidimos visitar uma livraria. Próximo ao hotel, encontramos uma muito boa. Aparentemente todos os títulos eram em Chinês. Mostramos um calendário para a vendedora, apontamos para a estátua na praça. Pedimos dois com os dedos. Gesto negativo, fora de estoque! Duas meninas e uma adolescente vestida em traje esportivo, bola de basquete nas mãos, nos observavam atentamente. Frustrados, estávamos saindo quando a adolescente acenou para voltarmos. Dirigimo-nos a uma salinha no mezanino. Uma verdadeira mina de pôsteres, calendários e estatuas de Mao Tsé-Tung. Memorabilia revolucionária a preços módicos, made in China…
Nosso descanso foi interrompido pelo som da campainha. Casal chinês com uma adolescente à porta. Cheios de sorrisos, gestos amistosos. Tentando comunicar-se com as mãos. Observamos que a adolescente carregava vários livros e uma folha de papel com a palavra “slam-dunk”, como se esperando alguém no desembarque do aeroporto. Reconhecemos então nossa amiga da livraria. Chamamos à recepção, nos informaram que os visitantes queriam nos presentear com livros para aprender Chinês. Infelizmente, todos estavam escritos em caracteres “hànzì”. Aceitamos os presentes de qualquer maneira. Despedimo-nos.
Mencionamos a visita da família durante o banquete. Elogiamos a adolescente por sua hospitalidade, atitude simpática e dedicação ao esporte. Queríamos presenteá-la com uma camiseta da NBA e pôsteres da Michael Jordan. O prefeito reagiu entusiasticamente. Comprometeu-se em entregá-lo. Escrevemos “slam-dunk” no guardanapo e mostramos sua foto digital. A única informação que tínhamos… Enviamos o presente aos cuidados do Prefeito, retornou vários meses depois. Endereço incompleto… Um ano depois, nos encontramos com o Prefeito de Wuping, na cidade de Longyan. Informou que a nossa adolescente, ou “slam-dunk”, seria homenageada como a estudante modelo do distrito escolar, nessa ocasião entregariam nosso presente.
Recentemente, encontramos em uma livraria uma publicação de nome “Slam-Dunk.” Consultamos uma jovem universitária que estava comprando uma revista semelhante. Explicou-nos que se tratava de um mangá, desenho em quadrinhos japonês, traduzido para o Português. Formato popular mundialmente. Ao contrario dos gibis ocidentais, a leitura dos mangás é feita da direita para a esquerda, do fim para o inicio, como em escrita japonesa. O desenho conta a historia de um adolescente chamado Sakuragi Hanamichi. Rejeitado por mais de cinqüenta garotas no ensino fundamental, decidiu reverter sua sorte no primeiro ano do ensino médio. Conheceu uma jovem chamada Haruko Akagi, que fez a pergunta que iria mudar seu destino. “Você gosta de basquetebol?” Entrou na equipe da escola para eventualmente conquistá-la. Uma longa história, um final feliz?…
Recordamos imediatamente da adolescente chinesa, que nos presenteou com livros, ao mesmo tempo em que nos mostrava a expressão “slam-dunk”. Assumimos então que se tratava da famosa jogada dos craques da NBA, porque portava uma bola de basquetebol. Motivo que levou sua cidade a homenageá-la por sua dedicação ao esporte. Infelizmente, só agora viemos a descobrir o equívoco. A adolescente de Wuping provavelmente queria trocar livros em Chinês por edições do mangá “Slam-Dunk.” Publicação difícil de encontrar na China, devido a sua origem japonesa e tendência capitalista.
A Haruko Akagi de Wuping, nossa “estudante modelo”, era fruto de um conflito de geração e cultura. Nada mais…
China 2003