Guardadores e lavadores de carro são cada vez mais comuns nas ruas e lugares públicos de praticamente todas as cidades do mundo. Eles são frequentemente pessoas desempregadas ou subempregadas, refugiados e deslocados de guerra, que não possuem as qualificações mínimas para competir no mercado de trabalho formal. Na Espanha são conhecidos como “gorrillas”, na Itália como “parcheggiatores”, no México como “viene-vienes” e no Brasil como “flanelinhas”. Eles são temidos e discriminados, considerados como excluídos da sociedade. Os motoristas têm receio de terem seus carros danificados ou de que sua integridade física seja ameaçada, ainda que muitas vezes esses medos sejam infundados. Esses guardadores e lavadores de carro são parte de uma realidade urbana difícil de lidar. Eles podem ser vistos como mendigos agressivos, prestadores de serviço ou até mesmo como um tipo de chantagista social.
No Brasil, essa atividade começou como uma forma de empregar os ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) por meio de uma decisão populista de Getúlio Vargas, conhecido como o “pai dos pobres”. A Lei n° 6.242 de 1975 e o Decreto 79.797 de 1977 regulamentaram a profissão, estabelecendo procedimentos para o registro dos trabalhadores informais na Delegacia Regional do Trabalho e determinadas exigências formais, como documentos pessoais, atestado de bons antecedentes e certidão negativa junto aos cartórios. No entanto, essa regulamentação se tornou um obstáculo para muitos desses trabalhadores informais.
Na maioria dos projetos criados por municípios como Natal, Rio de Janeiro, Maringá, Juiz de Fora, Fortaleza, Brasília, Aracaju, Belo Horizonte e São Paulo, a principal abordagem tem sido o cadastramento de flanelinhas, a provisão de uniformes, crachás e outros acessórios profissionais, mas sem o devido registro legal, de acordo com a lei. Além disso, muitos desses projetos tentaram capacitar esses trabalhadores em profissões alternativas, com salários inferiores à renda mensal obtida com as gorjetas. Eles também ignoraram o valor financeiro dos pontos de trabalho. Nenhum desses projetos obteve os resultados esperados, muitos foram descontinuados ou abandonados.
Há um ano, iniciamos um projeto com flanelinhas do Baixo Tambaú. Selecionamos os primeiros quatro trabalhadores, considerados os mais experientes e confiáveis da área, e gradualmente escolhemos outros catorze participantes, incluindo três mulheres, com qualificações similares. Desenvolvemos ideias para melhorar a autoestima e a conduta dos trabalhadores, como a criação da marca “Consultores de Estacionamento” e a adoção da cor laranja para identificar seus membros. Auto-gerido e funcionando informalmente, esses trabalhadores hoje são reconhecidos positivamente pelo público, comerciantes e mídia.
Nossa experiência sugere que qualquer projeto envolvendo flanelinhas deve contar com a participação ativa dos trabalhadores e da comunidade. Elementos essenciais para o sucesso incluem o cadastramento dos trabalhadores e de seus pontos de trabalho, registro profissional na Delegacia Regional do Trabalho, código de conduta e termos de referência com provisões para a contrapartida social. Devemos estabelecer parcerias com órgãos governamentais responsáveis pelo ordenamento urbano e pelo cumprimento das leis que regem o uso das vias públicas, calçadas e comércio ambulante. Além disso, é importante mudar a percepção de que a maioria dos flanelinhas é delinquente ou está envolvida em atividades ilegais.
É necessário implementar um policiamento que tenha como foco a melhoria da qualidade de vida, separando os honestos dos desonestos, sem prejudicar o direito das pessoas condenadas por crimes a terem uma vida normal. Infelizmente, grande parte desses trabalhadores desconhece a possibilidade de recuperar sua capacidade de exercer cargos e profissões, bem como de resgatar sua dignidade humana. Um apoio jurídico para habilitá-los e registrá-los profissionalmente facilitaria o retorno desses trabalhadores à legalidade e à plena cidadania. Assim, poderíamos ter flanelinhas legais, sem o desconforto da informalidade.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores