Começamos nossa primeira visita a China em Fuzhou, capital da província de Fujian. Marco Pólo descreveu a cidade como “… um centro importante de comércio de pérolas… tão bem provida de amenidades que é uma verdadeira maravilha…” A província é uma das primeiras com as portas abertas ao comércio exterior. Figurando entre os trinta e cinco lugares mais populosos do mundo. Hospedamo-nos no Lakeside Hotel, um complexo hoteleiro com mais de 450 quartos. Bem localizado na margem de um lago rodeado de outros edifícios. Hotéis, bancos, sedes de empresas e um museu. Pessoas caminhando, fazendo exercícios, praticando artes marciais. Jardins manicurados. Progresso no ar…
Fomos acordados por um toc-toc insistente. Toc-toc, toc-toc. Voz estridente. Tentando comunicar-se em Inglês. Quase incompreensível. Entendemos a palavra “urgent”. Tinha nossa atenção. Avisando que o trem para Longyan, nossa próxima destinação, sairia da estação ás 18:05. O relógio na mesa de cabeceira marcando 16:45. Fizemos nossas malas às pressas. Descemos para o lobby. As contas já haviam sido pagas. A Voz nos empacotou em uma pequena minivan. Rumo à estação…
Ao chegarmos, a Voz desapareceu na multidão. Retornou sorridente, tickets na mão. Outro aviso, parada militar na plataforma. Tínhamos que esperar até baixarem a bandeira nacional, às 18:00 horas. Menos de cinco minutos para nosso grupo embarcar. Cinco pessoas; uma delas cadeirante. Decidimos carregá-la fisicamente. Outro obstáculo, a largura do corredor não permitia a passagem da cadeira de rodas. Formamos um andor improvisado para movê-la. Seis vagões até o nosso lugar, na primeira classe.
Compartimento com quatro beliches, dois em cada lado. Acomodações e décor espartanos. A cadeirante permaneceria no centro. Tomaríamos turnos nos beliches ou carregando o andor, quando ela necessitasse ir ao banheiro, no fim do vagão anterior. Em uma das idas e vindas, encontramos soldados vendendo brinquedos eletrônicos. Escolhemos três dúzias. Descobrimos antes de pagar, que o cinturão de guardar dinheiro havia desaparecido. A Voz prometeu resolver o problema. Entre chamadas frenéticas e cigarros, nos informou pouco depois, que havia sido encontrado no quarto do hotel. O faxineiro que entregou o achado à gerencia, recebeu uma promoção por sua honestidade. A Voz nos assegurou que receberíamos nosso pertence em Longyan.
Chegamos exaustos. Pouco depois das formalidades de boas vindas, nos comunicaram que um dos vice-prefeitos e um subdelegado já haviam viajado a Fuzhou, para resolver o problema. Fomos informados no final da tarde que o hotel estava demandando uma espécie de assinatura e fotocópias autenticadas dos nossos documentos pessoais. Tínhamos que esperar até o dia seguinte. Completamos as formalidades. Dois oficiais partiram imediatamente para Fuzhou para entregar os documentos à seus colegas. Os quatro voltariam juntos para Longyan, no dia seguinte. Tudo seria resolvido na manhã do quinto dia. Infelizmente, tínhamos compromisso de visitar oito outras cidades…
Apesar de sermos reassegurados pela Voz, em diversas ocasiões, não acreditávamos que o problema fosse ser resolvido antes da nossa partida da China. Estávamos equivocados… Para nossa surpresa e alivio, a Voz reapareceu na nossa porta, com boas noticias. Vários oficiais estavam na recepção nos esperando, para fazer a entrega do cinturão. Deparamos-nos com um grupo de mais de doze pessoas ao chegar ao lobby. Um funcionário sênior nos entregou um envelope grande. Bem lacrado, cheio de carimbos. Coberto de escrita chinesa. Pedia que abríssemos imediatamente. Envelope dentro de envelope, uma matrioska de documentos. Chegamos ao último, o menor. Revisamos o conteúdo. Vinte e cinco cédulas de cem dólares. Flash, flash, flash… Mais uma foto, por favor. Posando com um leque de dólares. Sucesso total. Risos e palmas. Um verdadeiro rodízio de cumprimentos.
No banquete de despedida, fomos informados que vinte e três pessoas haviam recebido elogios ou reconhecimento pessoal por sua participação no resgate do cinturão. Venceram o rally dos 2.500 dólares. O verdadeiro herói do dia, a Voz, havia desaparecido. Nunca nos disse seu nome, nunca perguntamos…
China 2002