Cátia de França é mais que uma artista, é um símbolo de luta e identidade. Mulher negra, nordestina e profundamente conectada às suas raízes, sua música transborda ancestralidade e resistência. Aos 77 anos, segue compondo, tocando e inspirando gerações com sua arte singular, que mescla literatura e melodia em um canto poderoso e autêntico.
Filha de Adélia de França, a primeira professora negra da Paraíba, Cátia cresceu entre livros e ensinamentos que moldaram sua visão de mundo. Adélia, uma mulher à frente de seu tempo, fez da educação uma arma contra o preconceito e plantou na filha a paixão pela arte. Desde a infância, Cátia esteve imersa em um universo de música e literatura, fusão que definiria sua trajetória.
Aos 19 anos, partiu de sua terra natal para espalhar sua voz pelo Brasil, rompendo barreiras e paradigmas. Suas composições transitam entre ritmos e poéticas, bebendo do baião, xote, blues e folk. Seu primeiro álbum, 20 Palavras ao Redor do Sol (1979), já deixava evidente essa fusão, trazendo referências literárias como as de João Cabral de Melo Neto.
Em tempos de ditadura militar, cantar era um ato de coragem. Sua música, sempre carregada de reflexão, atravessou os anos de censura e firmou-se como um grito de resistência. Com Estilhaços (1980), Cátia apresentou arranjos ousados, mesclando influências nordestinas com elementos globais. Ao lado de Elba Ramalho, Amelinha e Xangai, consolidou-se como um dos grandes nomes da música popular brasileira.
O caminho na indústria fonográfica nunca foi fácil. Mulher, negra e independente, Cátia nunca cedeu às exigências comerciais. Sua autenticidade a afastou dos holofotes midiáticos, mas a aproximou de um público fiel, que reconhece sua integridade artística e seu compromisso com a verdade. Seus versos falam de identidade, luta e pertencimento, mantendo vivas as tradições nordestinas sem perder a contemporaneidade.
O tempo apenas fortaleceu sua criação. No Bagaço da Cana: Um Brasil Adormecido (2012) revisitava a literatura de José Lins do Rego, enquanto Hóspede da Natureza (2016) abordava temas ecológicos e espirituais, reafirmando sua conexão com a terra e seus ancestrais.
Agora, em 2024, Cátia de França celebra sua trajetória com a indicação ao Grammy Latino pelo álbum No Rastro de Catarina, um mergulho profundo em sua história musical. Gravado ao vivo em João Pessoa, o disco revisita sua caminhada e reafirma seu compromisso com a verdade e a resistência cultural.
Emocionada, a artista compartilhou sua alegria: “Sou felicidade pura transbordando! É um caminho longo, mas aqui estou, celebrando essa história que construí com tanto amor e luta”. Apesar da expectativa, o Grammy Latino não veio desta vez. Mas a força de Cátia transcende prêmios: sua música é um farol para a cultura brasileira, provando que seu canto é maior que qualquer reconhecimento formal.
Cátia de França continua ecoando. Sua música é forjada na ancestralidade, na literatura e na verdade. O que ela carrega não é apenas arte, mas história, resistência e inspiração. Enquanto houver som, luta e esperança, sua voz seguirá pulsando na alma do Brasil.
Palmarí H. de Lucena