A elusiva pobreza

photo by Palmarí H. de Lucena
A elusiva pobreza

Sequenciaram 50% do genoma humano e erradicaram a varíola, nos últimos cinquenta anos. Em vinte anos, a taxa de mortalidade infantil caiu pela metade, de 26,1 óbitos por mil nascidos vivos, em 2002, para 13,3 óbitos, em 2019. Segundo o IBGE, brasileiros estão vivendo mais na terceira idade e morrendo menos na infância. Existe hoje maior consciência da ameaça existencial de mudanças climáticas. Inventaram a internet, introduziram mudanças em todos os aspectos da vida do cidadão, novas maneiras de como empresas crescem e funcionam. Quanto ao problema da pobreza, não podemos afirmar categoricamente que houve melhoria real, exceto por uma infusão de renda assistencial durante o período eleitoral, tivemos apenas uma longa estase.

Desenhar um gráfico, mostrando o número de brasileiros vivendo na pobreza nos últimos cinquenta anos, envolveria o traçado de uma linha que se curvasse gradualmente para cima e para baixo, invertendo a sequência ao longo dos anos, flutuando durante governos da direita ou da esquerda, subindo em recessões, baixando em anos de expansão econômica. Possíveis reduções da pobreza por transferência de renda, benefícios sociais complementares e auxílio pontual em situações emergenciais, são em grande parte, compensados quando reconhecemos que pessoas de baixa renda, vivem sobrecarregados por aumentos de despesas com moradia, serviços públicos, alimentação, endividamento e nos anos recentes, inflação.

Qualquer avaliação justa da pobreza, deve considerar a marcha empolgante do progresso material. Porém, o fato de que padrões de vida tenham crescido, não significa que a pobreza diminuiu por si mesma. Somente os ricos possuíam celulares, em décadas passadas, hoje são mais acessíveis a maioria de brasileiros. Para muitos, a possessão de certos bens de consumo, como TVs, fornos micro-ondas e celulares, fazem dos pobres menos pobres. Embora um celular não garanta uma alimentação saudável, acesso a moradia, serviços médicos e odontológicos de boa qualidade ou cuidado adequando para as crianças. O pobre brasileiro, sobrevive no meio de uma das maiores economias do mundo, tem acesso a mercadorias baratas produzidos em massa, como qualquer outro cidadão. Parafraseando Michael Harrington, autor do livro “Outra America”, “[…] é muito mais fácil se vestir decentemente no Brasil do que viver em lugares seguros, alimentar-se propriamente ou ser tratado de uma maneira cidadã por agentes públicos.

As iniciativas de combate a pobreza pelo Governo Federal, são louváveis e oportunas. Porém, deve-se evitar o lançamento de programas fora do contexto do problema, como um todo. Pobreza é um tema transversal e deve ser tratada de uma maneira holística, com uma visão objetiva e instrumentos mais eficazes em seu combate. O holandês Jan Tinbergen estabeleceu sua fundamental regra: para alcançar um objetivo de política é necessário um instrumento eficaz, e para atingir diversos objetivos independentes é necessário pelo menos um número igual de instrumentos.  

Pobreza não é somente uma condição de não ter dinheiro suficiente. É a condição de não ter opções e ser explorando por não as possuir. Quando o Governo ignora o impacto que a exploração tem em manter as pessoas na pobreza, produzem políticas públicas débeis e inefetivas, no pior dos casos. Quando o governo aumenta rendas ou viabiliza empréstimos consignados, estes ganhos são geralmente nulificados por proprietários de imóveis inadequados, aumentos no custo de alimentos e medicamentos. A transferência de renda para os pobres, transforma-se em transferência para os mais favorecidos.

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores

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