Por mais que tentemos, é difícil abordar o tema da oração sem escorregar na pergunta errada: afinal, ela “funciona”? Só esse verbo já revela um equívoco. Como se a oração fosse um interruptor, uma máquina, um truque infalível para dobrar as vontades do universo. E, talvez, o primeiro erro seja exatamente esse: imaginar que rezar seja, em essência, um mecanismo de obtenção de favores.
Quem já viveu o suficiente certamente guarda na memória episódios estranhos, desconcertantes. Um impulso inexplicável que leva alguém a mudar de caminho, a fazer uma ligação, a visitar alguém — e, ao chegar, ouvir: “Estava justamente rezando para que você viesse.” Coincidência? Intuição? Ou algo mais misterioso que escapa às medições objetivas?
Também não faltam relatos de curas inesperadas, reviravoltas médicas que nem os próprios médicos conseguem explicar. Mas a ciência, honesta em sua humildade, admite que não sabe tudo. E, por isso mesmo, nunca se pode afirmar com rigor se foi a oração que moveu o milagre, ou se o milagre veio por outros caminhos, conhecidos ou não.
O problema está no método. Se quisermos tratar a oração como um experimento científico — com grupo de controle, variáveis isoladas e resultados mensuráveis — tropeçamos num obstáculo ético e espiritual. Porque a oração verdadeira não nasce da curiosidade nem do desejo de testar hipóteses. Ela surge da empatia, do amor, da dor ou da esperança. Quem reza não faz isso como quem participa de uma pesquisa de laboratório; faz porque deseja, com sinceridade, que algo se transforme — no outro, no mundo ou em si mesmo.
E, ainda que tentássemos montar um experimento, ele fracassaria no princípio. Seria possível reunir cem pessoas dispostas a rezar com devoção para que os pacientes de um hospital se recuperem, mas não os de outro? Isso não seria oração — seria manipulação de variáveis disfarçada de espiritualidade.
Mas se a oração não é um botão que liga e desliga milagres, o que ela é, afinal? Talvez devamos olhá-la de outro modo. Afinal, pedir faz parte da condição humana. Pedimos um aumento, pedimos ajuda, pedimos um favor, pedimos amor. E, curiosamente, nem sempre é possível provar, nem nas relações humanas, se fomos atendidos porque pedimos, ou se a decisão já estava tomada antes. Quem garante que a pessoa que aceitou se casar conosco não já estava decidida antes do nosso pedido? E quem garante que o amigo que alimentou nosso gato durante a viagem não teria feito isso, mesmo sem nosso pedido explícito?
O fato é que a vida não se move pela lógica dos experimentos de laboratório, mas pela teia delicada das relações. E, na oração, não é diferente. Ela não é mágica, nem barganha, nem um meio de aconselhar Deus sobre o que fazer. É uma conversa. Um exercício de presença. Um modo de se colocar, de peito aberto, diante do mistério — seja qual for o nome que lhe damos.
Muitos esperam que a oração seja uma espécie de senha para abrir portas trancadas. Outros, mais experientes na fé ou na vida, aprendem que, à medida que amadurecemos, as respostas fáceis se tornam mais raras. Às vezes, o silêncio de Deus é tão eloquente quanto uma resposta. E, quando olhamos para a cruz, entendemos que nem mesmo o próprio Cristo foi poupado do peso do abandono, da angústia e da dor.
Isso não significa que a oração seja inútil. Ao contrário. Talvez ela seja, acima de tudo, um convite para participarmos da obra da criação — não como espectadores, mas como coautores. Deus, se existe, parece fazer questão de repartir conosco essa responsabilidade desconcertante de colaborar na construção do mundo. E nisso, cada gesto, cada palavra, cada oração, cada escolha tem peso, tem consequência, tem sentido.
No fundo, a oração não é um meio de mudar Deus. É um meio de deixar que Deus — ou o mistério — nos mude. E, quem sabe, o verdadeiro milagre não esteja em transformar nossas próprias mãos, nossa própria vontade, em instrumentos de algo maior, que nunca compreenderemos por inteiro.
E se, de vez em quando, recebemos uma resposta, que ela nos sirva menos como prova e mais como lembrança: há forças operando na vida que vão muito além do nosso controle. E que, no jogo sutil entre liberdade, amor e mistério, somos chamados a participar — mesmo sem entender completamente as regras.
Por Palmarí H. de Lucena