A doença da fome

A doença da fome

“O primeiro direito humano é não passar fome.” Essa foi a única frase proferida por Josué de Castro quando um acesso de tosse o impediu de fazer seu discurso na cerimônia de entrega do prêmio concedido pelo Conselho Mundial da Paz em 1954. Mesmo nas décadas de 1950 e 1960, ele já denunciava o problema da fome, que, infelizmente, continua atualmente, não por falta de alimentos, pois eles existem.

Desde então, houve muito progresso. Um exemplo do dinamismo da agricultura brasileira são os bons resultados do agronegócio em 2023, com um superávit acumulado de US$ 148,58 bilhões, um crescimento de 4,9% em relação ao ano anterior. As exportações do setor somaram US$ 165,05 bilhões e as importações, US$ 16,47 bilhões. No entanto, retrocedemos ainda mais no combate à fome no Brasil, agravado pela inércia do governo anterior em lidar com os efeitos sociais da pandemia da Covid-19 de maneira eficiente e equânime.

De acordo com o relatório da FAO, publicado em julho de 2023, 70,3 milhões de brasileiros viviam, no ano de 2022, em condições de insegurança alimentar moderada, ou seja, enfrentando dificuldades para se alimentar adequadamente. O levantamento também revela que 21,1 milhões de brasileiros estavam em estado de insegurança alimentar grave, ou seja, enfrentando a fome.

Pessoas em situação de alta vulnerabilidade social vivem em um estado constante de ansiedade e pânico. Tudo conspira contra a sobrevivência e a dignidade de suas vidas. Muitas vezes, mesmo quando atendidas por profissionais de saúde, não têm dinheiro para comprar remédios. Elas não podem receber doações de alimentos porque não possuem endereço fixo, nem sequer podem cozinhar, pois não têm acesso a um botijão de gás. Enfim, todas as situações parecem conspirar para mantê-las nas garras da fome.

A implantação do novo Bolsa Família e seus novos benefícios para crianças, gestantes e adolescentes até 18 anos incompletos proporcionou a retirada de 43,5 milhões de pessoas da linha da pobreza em 2023. Isso significa que elas têm uma renda per capita garantida acima de R$ 218, uma das várias ações que estamos desenvolvendo para reduzir a pobreza e tirar o país novamente do mapa da fome.

É preocupante ver o Brasil voltando a figurar no cenário do Mapa da Fome da ONU após avanços significativos na década anterior. Acredito que as estratégias de segurança alimentar e nutricional implementadas anteriormente trouxeram resultados positivos, e é lamentável ver a situação se reverter nos últimos anos, especialmente durante a pandemia de Covid-19. Tornando-se fundamental que as metas do Plano Brasil sem Fome sejam alcançadas para combater essa problemática.

Foi a partir de dois livros de Josué de Castro, “Geografia da Fome” (1946) e “Geopolítica da Fome” (1951), que o tema da fome ganhou repercussão nacional e internacional. O raciocínio que ele consolidou no Brasil, a partir de sua obra de 1946, expandiu-se para o mundo: a causa da fome não se devia a caprichos da natureza, mas sim aos caprichos da política. Uma frase do pensador brasileiro, “[…] a metade da população não come, e a outra não dorme, com medo da que não come […]”, equaciona o dilema que ainda vivemos no Brasil e no mundo.

É necessário um comprometimento constante por parte do governo, da sociedade civil e de todos os setores sociais para garantir que a segurança alimentar seja uma prioridade contínua. É fundamental que haja um trabalho conjunto para identificar e abordar as causas subjacentes da fome, incluindo a desigualdade social, a falta de acesso a recursos e oportunidades, e a má distribuição de renda.

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores

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