A agonizante morte da história

Comemorando a vida e a morte de um herói da república de 1817, placa histórica quase ilegível na esquina de um antigo armazém. Imóveis históricos, documentos de pedra e argamassa, sucumbindo ao descaso contemporâneo. Fedor penetrante do abandono atraindo os abutres do vandalismo. Aqui jaz a memória de Amaro Coutinho, patriota brasileiro morto e esquartejado pelo colonizador português. Pessoas caminhando distraidamente, ignorando a placa e o aviso: PARE OLHE E ESCUTE. Trilhos de trem, dormentes cobertos pela vegetação escondem os perigos e o desgaste da ferrovia. Apitos distantes de trens infrequentes.

Fileiras de prédios antigos. Armazéns em estágios graduais de abandono, uns tantos transformadosem madeireiras ou depósitos de materiais de construção. Símbolos do império que Amaro Coutinho tentara derrubar, a alfândega e o tesouro provincial, peças importantes do museu ao ar livre da inoperância do poder público republicano. Entranhas abertas da terra cobertas por lonas enormes escondem a fragilidade, a pobreza e a majestade do edifício amarelo que quebra a silhueta da colina. O Hotel do Seu Marinheiro, o Hotel Globo de quase dois séculos, memória em perigo de extinção.

Viajamos pelo passado em busca de Franz Post, imaginamos o grande mestre em silêncio contemplativo, pincel na mão, olhos seguindo avidamente os meandros do rio Sanhauá, o sol desaparecendo no horizonte. Levando a memória do rio para a Holanda, registrando para a posteridade paisagens naturais. Olhamos em direção ao rio, algumas delas ainda privilegiam nossos olhos, outras foram ofuscadas pela fumaça das queimadas, a poluição ribeirinha e a destruição dos manguezais. Os caranguejos que já não existem.

Trilhas de jet-skis e o Bolero de Ravel, umas tantas canoas a procura de bagres e piabas. Quando pensarem sobre o passado, não conseguirão lembrar, nossa história estará morta… filosofou um homem sobre a tragédia se desdobrando no Hotel Globo e no rio Sanhauá: devolver nossa história ao mundo contemporâneo, uma tarefa hercúlea para resgatar o pouco que ainda resta.

Palmari H de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores (U.B.E)