9/11: Terrorismo globalizado

9/11: Terrorismo globalizado

Outono de 1979.

Nosso escritório no andar 69 da Torre II do World Trade Center, tinha uma vista privilegiada. A Estátua da Liberdade. Majestosa. As palavras eloqüentes da poetisa Emma Lazarus. “Dai-me os vossos cansados, vossos pobres, as vossas massas desejosas de respirar liberdade”. Mulher Judia. Família afluente. A voz da diáspora sefardita. A ponte de Brooklin. Caminho seguro para emigrantes de todas as raças, religiões, origens. Mais de 45% de população nascida fora dos Estados Unidos. Porto seguro para árabes, judeus, eslavos, chineses, caribenhos, latino-americanos e africanos. Mosaico de povos e culturas. Coexistindo pragmaticamente. Seduzidos pelo canto da sereia…

11 de setembro de 2001.

O taxi se movia devagar na 5ª Avenida. Grupos de pessoas nas calçadas, apontando na direção do Sul da Ilha de Manhattan. Fumaça no horizonte. Labaredas. “Deve ser um incêndio grande, perto da Macy’s na Rua 34”, o taxista paquistanês comentou. Blasé. Driblando o trânsito. Movendo em direção do Chrysler Building, nosso novo escritório na ONU. Tínhamos pressa. Celulares haviam parado de funcionar. Queríamos saber o que estava acontecendo. Soldados e seguranças cercavam a Grand Central Station, a estação ferroviária de Nova Iorque. Edifícios na lista de alvos dos terroristas. “Os Estados Unidos acabam de ser atacados”, nos informaram… “Nossas torres foram destruídas”. Aço misturado com concreto. Fumaça ácida, negra, sufocando as massas. Pearl Harbour no asfalto. As irmãs gêmeas da globalização não eram mais…

Ato terrorista de 11 de Setembro e a subseqüente “Guerra contra o Terror”. Gêmeos siameses. Expondo dramaticamente o lado ruim da globalização. O fluxo global de tecnologia, comércio, informação, ideologias e pessoas, mostrando que a globalização pode ter efeitos positivos, como também negativos. Dividindo e unificando o mundo. Fazendo inimigos, incorporando amigos. Gerando riqueza, aumentando a pobreza.

Os terroristas tiveram sucesso porque usaram a bipolaridade da globalização como um instrumento de destruição. Informações técnicas em paginas web facilitaram a criação do terror tecnológico. Convertendo instrumentos benignos, aeronaves civis, em armas de destruição em massa. Desencadeando ações colaterais, dramáticas e destrutivas. Acordando os demônios da intolerância religiosa. Destruindo as esperanças emergentes do Novo Milênio. Multilateralismo na cooperação econômica, comércio e isonomia nas relações entre os povos. Islamismo, o novo bicho-papão, substituído o comunismo. O novo “império do mal”. Os mísseis, frotas nucleares obsoletas, estados satélites, apoio estatal a grupos subversivos, enterrados nos escombros do Muro de Berlim. Terrorismo se transformara em um fato comum no mundo globalizado. Fênix maldosa…

O povo norte-americano unido. “Nós contra Eles. Oficiais da reserva, comentaristas do radio, experts, servindo rações diárias de patriotismo. Descrevendo o conflito como se estivessem jogando RPG. Interpretando personagens; simulando todas as possibilidades de um novo ataque contra os Estados Unidos. Retaliação contra “Eles”. “This is CNN”, em todas as línguas”. O “choque das civilizações” substituindo o “fim da historia”. Legitimando ações unilaterais, subestimando o sistema das Nações Unidas. Combatentes da mídia globalizada. Os Illuminati da Nova Ordem de George W. Bush. Líder incompetente, desqualificando. Cercado de soldados, policiais, bombeiros, trabalhadores de construção. “Levaremos a guerra até eles”. “Os que não estão conosco, estão contra nós”.

Disputas partidárias sepultadas em favor de bipartidarismo. Nova leis aprovadas a toque de caixa. Desencadeando o maior desafio às liberdades civis e direitos humanos, desde a era do anticomunismo virulento do Senador Joe McCarthy. “O senhor não tem vergonha, Senador McCarthy!” Lembranças do grito do jornalista Edward R. Murrow contra a autocensura. Silenciosa e cúmplice. Nenhum jornalista preparado para apontar o dedo em direção aos novos demagogos. O mundo anglo-saxão, cristão contra os bárbaros. Unidos…

O post-mortem de 11 de setembro ainda não foi escrito. Talvez nunca seja. Tudo mudou, concordamos. Não sabemos precisamente o que mudou e quando. Somos menos inocentes, mais sérios e cautelosos. Bombardeados com informações na internet, na mídia globalizada, sobre modificações dramáticas na economia, cultura, política e no cotidiano. Pouco tempo para reflexão ou análise sobre o que aconteceu naquela manhã. O mundo brincando de “plantar bananeira”.

Ajustando-se às mudanças globais. Crianças negras na África e na America Latina, pedindo a pais pobres para comprar uma Barbie. Países industrializados que não podem mais comprar o que compravam, vendendo o supérfluo aos que não podem pagar. “Os Nós contra Eles”. Novos “ismos” sendo inventados na mídia. Os demagogos nos púlpitos de catedrais falidas demandando novos programas de repressão. Povos recém libertados de ditaduras opressivas, pedindo a volta dos soldados à rua…

O mundo ocidental anuncia diariamente a destruição de mais uma rede terrorista, captura ou morte de um líder do movimento jihadista global. Estamos mais seguros? Não sabemos. Novos “ismos” não vão deixar de aparecer ou serem inventados. A única salvação é que o mundo esta ficando mais democrático. O grande perigo é que somos mais assimétricos. Cocaína versus crack. Barbies versus Mônicas. Grades do terraço versus grades de penitenciarias.

O que mudou depois de 11 de Setembro é a urgência em que devemos mudar. Pessoas sem equidade são pessoas sem liberdade. Questionando os sistemas que lhes oprimem. “Se não sou parte do sistema, por que devo jogar pelas regras dele?”, perguntam pelo mundo afora. O desespero, a exclusão e o fanatismo são companheiros de viagem, quando a democracia não funciona. Estavam juntos, passageiros de primeira classe nos mesmos aviões, no dia 11 de setembro de 2001. Tickets comprados pela internet, milhagem dupla…

Precisamos reafirmar os valores básicos e instituições democráticas e procurar soluções locais e globais para problemas que envolvem ambas as dimensões. Governos e movimentos sociais teem e devem lutar contra o terrorismo, militarismo e injustiça social, como também pela democracia, o meio ambiente, direitos humanos e justiça social. Em vez de tentar suprimir ou abrandar a democracia, como uma forma de combater o terrorismo, devemos fortalecê-la contra as forças da violência e da destruição. Esta é a grande lição de 11 de Setembro…

Palmarí H de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores